terça-feira, 27 de maio de 2008

O casamento da filha, parte 2

Tem algodão, tem acetona e tem palitos. E podia ser pior, não podia? A unha poderia ter quebrado, por exemplo. Aí não haveria jeito. Mas o que é um esmalte borrado? Ta certo que para consertar um ela teria que mudar todos. Quem manda usar uma cor que não tem em casa? Poderia ter pintado de carmim, licor, vinho, cereja, ameixa... Não. Tinha que ser vinho com café! E onde encontraria um esmalte café às 19h30 da noite de um sábado de feriado? Mas também, que idéia de Fabiana de marcar o casamento bem no feriado!

Todos esses pensamentos iam se repetindo na cabeça de Ângela, e só a deixava cada vez mais angustiada. Ela já não sabia se queria chorar de tristeza pela unha estragada, de medo em decepcionar a filha e a mãe mais uma vez, ou de raiva por ter tentado abrir o blush. Para quê abrir o blush? A maquiagem já estava boa antes, nem era tão necessário assim!

Sem mais demora, Ângela forra seu colo com uma toalha de rosto, molha um pedaço de algodão na acetona e começa a remover o esmalte, dedo por dedo. É necessário ter habilidade. Ela deveria estar na porta da Igreja às 19h30. Atrasar meia hora, vá lá – costuma atrasar mais de uma hora em compromissos familiares. Tinha certeza de que Fabiana já lhe dissera 19h30 considerando o atraso.

Toca o telefone. Cadê o aparelho? Ali, atrás do vidro de perfume. Debruçando-se sobre a pia, com fiapos de algodão coloridos grudados na mão, Ângela tenta alcançar o telefone sem derrubar o perfume e todos os produtos de maquiagem em volta. Consegue. Tenta apertar o botão para atender sem lambuzar o aparelho com a mistura de esmalte acetona e algodão. Ele escorrega de sua mão. Cai sobre o frasco de acetona, que vira. Ângela ainda tenta virar o frasco de volta e salvar um pouco do líquido, mas o esforço é inútil. Lá se vai a acetona, a única esperança de ter mãos e dedos limpos novamente.

Com um suspiro, Ângela atende o telefone, que ainda toca. “ALÔ”.

- Ângela, onde você está, minha filha? Já estou pronta aqui, você disse que passava para me buscar às 19h15! Não pode chegar pontualmente nem para o casamento da própria filha? E que demora foi essa para atender ao telefone?

- Oi mãe, pois é, estou um pouco atrasada, alguns imprevistos, mas

- Qual é a desculpa dessa vez?

- Não tem desculpa, mãe, mas se você tiver um frasco de acetona, é só o que preciso, um pouco de acetona. Se tiver como...

- Por que você precisaria de acetona agora? Fica pronta logo. Vai.

- Não mãe, é que... Desligou.

Desligou. Mãos manchadas, sem acetona, e agora?

Álcool. Álcool deve funcionar. Não. Talvez... Não. E se pintasse mesmo com as unhas manchadas? Mas suas mãos não eram tão firmes assim para pintar e não precisar limpar os contornos depois. Se passasse numa farmácia... Não, não daria tempo. Só havia uma solução. Não era tão terrível assim, talvez ninguém fosse reparar... Era o jeito.

- Alô, mãe, oi, já to saindo. Só te peço um favorzinho, um só.

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