sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A vaidade

Ela acompanha-o o tempo todo

É por ela que se esforça
É por ela que não dorme
É por ela que não come
É por ela que não vive.

Desde o dia em que levou a teoria para a prática

Ela guia-o e lhe dá ambição
De ser o melhor, melhor que o melhor
Ela cega-o e o torna arrogante
Ela o faz alterar o tom de voz

Admita, jornalista: ela o possui

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Uma mulher de atitude

Então não podia ir da aula de ginástica até sua casa, a pé, sem que nenhum homem, carro ou moto se opinasse sobre sua beleza, as curvas de seu corpo, seu cabelo, seu cheiro? Assim já era demais. Até a calça legging substituíra pela jeans. Andava com passos firmes, pesados, e, propositalmente, de vez em quando coçava as axilas ou cutucava o nariz para afastar as babas dos cães famintos. Mas a possível solução mostrara-se inútil. Tinha que fechar os ouvidos e manter o olhar sempre no horizonte se quisesse se sentir o menos “comida com o olhar” que fosse possível.

Estava chegando, faltava pouco. O ouvido esquerdo então detectou um som. Algo como:

- Caprichou hoje, coração!

Coração? Que coração? Que capricho? Estava suada. Sem maquiagem. Cabelo preso. Tênis!

- Quer carona, linda?

Acelerou o passo. Estava trânsito. Se andasse bem rápido, fugia do carro. O sinal abriu, os carros andaram, e lá vem o mesmo carro... Diminuiu o passo, pensando que, assim, da próxima vez que o sinal abrisse, o carro certamente a ultrapassaria. Ledo engano.

- Não adianta fugir, gostosa.

Parou. Suspirou. Virou. Disse:

- É, tem razão.

Foi até o carro. Entrou.

- Puxa, se eu sou gostosa, você é um tesão. Faz assim, eu vou descer não no próximo quarteirão, no próximo. Aí você pára o carro, a gente dá umazinha, e todo o mundo sai feliz.

- Ô, moça, desculpa, sabe como é, não vai dar não... Sou casado, tenho filhos...

- Ah, deixa de papo, eu sei que você quer. Você deixou bem claro.

- Era só brincadeirinha, moça. Você é bonita mesmo, mas assim, é melhor você sair do carro.

- É, foi o que eu pensei. Fala mas não faz. Mas não se preocupa não, porque todo cara que tem problema pra subir o... é assim.

Saiu do carro. Pegou um caderno na mochila, abriu a última página, e riscou o item
“Corresponder a um xaveco na rua só para ver no que dá”. Sorriu, satisfeita. “Sabia”, disse.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eu gosto de...

- Então, Flavia, quer dizer que você vai acampar com a gente? Quantos anos você tem?

- Seis.

- E sua irmãzinha, vai pro acampamento com você?

- Não, ela é muito pequena.

- Quantos anos ela tem?

- Quatro.

- Hum... E que brincadeira você mais gosta?

- Esconde-esconde.

- Esconde-esconde? E qual é a sua comida preferida?

- Batata frita.

- A minha comida preferida é sanduíche de queijo com presunto, milk shake, sorvete, macarrão, coxinha, croquete...

- Diana!! Ele não ta perguntando pra você, você não vai no acampamento!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Como saber que ele é o grande amor, final

Cristhian e Fabiana se conheceram, se encontraram, saíram, casaram. Tudo isso já foi dito. É tão interessante saber passo a passo de como foi o primeiro encontro oficial, o primeiro beijo, a primeira briga, o primeiro sexo, a primeira viagem, quanto é interessante ouvir as histórias de amigos, ou ver novela, ou, em muitos casos, pensar na própria vida. Não que não seja interessante. Só não trás grandes novidades.

Então vamos direto ao ponto. Quero dizer, o que uniu esse casal. O que fez de Cristhian ser, como diz muitos títulos de textos deste blog, o homem da vida de Fabiana.

Porque, afinal de contas, ele não fazia mesmo o tipo da menina. Mas o que ela havia idealizado sobre ele fazia. Era charmoso, era independente, trabalhava, conhecia gente, freqüentava espaços alternativos... Nada disso era real. Isto era: ele era um metido, acomodado e dependente financeiramente do pai. Não era de todo mal pessoa, mas que não tinha nada a ver com o que Fabiana esperava, ah, isso não tinha. Bem como Fabiana não tinha nada a ver com a última namorada de Cristhian, Samantha, a mulher de sua vida, que ele jamais esqueceria, e nem aceitaria o fato de ela estar casada com outro.

Mas Cristhian era do tipo que não queria fazer feio perto dos amigos. Por isso terminara com Samantha. Ela era feia. Tinha um nariz muito grande. Os amigos tiravam sarro dele. Não o invejavam. Já Fabiana... Ah, como o invejariam se namorasse Fabiana. Nem era preciso namorar. Apenas se o vissem perto dela já o invejariam. Inclusive, no primeiro encontro – isso ale a pena relatar – Cristhian já treinava maneiras de abraçá-la, de forma a deixar os amigos... Com os nervos à flor da pele, digamos.

E Fabiana... Fabiana queria ser atriz. Tinha esse sonho antigo, que nunca havia compartilhado com ninguém. Porque tinha vergonha, se achava boba. E também porque tinha medo de que começassem a insistir para que ela fosse fazer aulas de teatro. Ela odiava teatro. Queria apenas brilhar. Ser famosa. Dar autógrafos. Beijar atores lindos “tecnicamente”. Era o que ela queria.

Nunca havia pensado que fosse possível realizar seu sonho até conhecer Cristhian. Era perfeito. Ele ficava famoso, rico, ela se casava com ele, e estrelava seu filme. Protagonista. Podia ser par do Antonio Banderas, nada mal. Simples. Bem simples.

Então se uniu o útil ao útil, e o agradável ficou para fora do casamento. Seria por essa época, quando Fabiana começou a procurar por esse “agradável”, que Ângela receberia o perdão da filha.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Xingamento acidental

Todo o mundo tirava sarro daquela menina. Ela faltava às aulas dia sim, dia não. Ela tinha espinhas. Ela era gorda. Ela era feia. E, indiscutivelmente, ela era burra:

- Silvana, você é uma anfíbia!!!
- Ah, é? Então você, você é... Você é um mamífero, Fábio.

Fábio também não era lá muito inteligente. O único aluno repetente da turma da sexta série. Mas era bonito, mais velho, engraçado, bagunceiro e não ia deixar passar em branco a gafe de Silvana. Todos os dias, estando a menina presente ou não, alguém gritava “Você é um mamífero, Fábio!”

Eu me dava bem com Silvana. Claro que dava boas risadas com as piadas que faziam dela. Eram más, mas muito engraçadas. De qualquer modo, se não éramos propriamente amigas, de confiar segredos, eu tinha dó dela e achava-a bastante simpática. Um dia ela até veio em casa pra gente brincar. Foi tão divertido que ela ficou para dormir. No dia seguinte perguntei:

- Quer uma meia emprestada?

E ela respondeu, nervosa:

- Não é porque todo o mundo tira sarro de mim porque eu não usei meia um dia que eu vou começar a me preocupar com isso.

Disse, sinceramente:

- Quê? Tiraram sarro de você porque você não tava de meia?

- É, mas eu não ligo pra isso.

- Eu nem sabia disso. Ofereci porque pensei que as suas estão sujas, porque você dormiu aqui...

E eu juro que não guardei rancor nenhum dessa bronca. Juro que não foi por causa disso que espalhei a piada que arruinaria de vez a 6a série de Silvana. Foi sem querer. Não fiz pra ser popular. Nem pensei que a piada feita em voz baixa para uma colega ao lado fosse se espalhar tão rapidamente. Apenas tive um pensamento, achei engraçado, e repeti para alguém. Juro. Se eu pudesse voltar no tempo, nunca teria dito, após o professor reclamar da ausência de Silvana:

- Sabe por que a Silvana falta muito? É porque de segunda ela tem escola, de terça ela tem balé, de quarta escola, de quinta balé...

Nem pensei balé para tirar sarro dela, a anfíbia dançarina, como ficou conhecida. Apenas surgiu como atividades que as outras crianças faziam a tarde, e não de manhã. Essa era a piada. Nem achava ela feia. Também não era bonita. Mas eu não era muito melhor. Também tiravam sarro de mim às vezes. Não foi de propósito, não foi. Eu juro. Não queria que ela tivesse mudado de escola. Ou que tivesse chorado. Ou que, para sempre, fosse a sapa espinhenta que, de terça e quinta, fazia balé.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

A chave do carro (Como saber que ele é o grande amor, parte 6)

Fabiana inspirou fundo, levantou para ir embora da biblioteca da FAU.

- Quer dizer que você vem até aqui, me vê, e vai embora sem falar comigo?

Era Cristhian, atrás dela. Ela ainda se lembrava da voz dele. Virou-se:

- Eu te conheço?

- Ah, agora vai fazer que não lembra de mim.

- Não lembro mesmo. Hum, se bem que acho que já vi você em algum lugar sim... Esse jeito esnobe de falar... Você não é o cineasta falido que apareceu no café...?

- Claro que sou ele. E você viu meu filme, se identificou, e veio me encontrar?

- Filme? Não entendi nada do seu filme das meias dançantes.

- Não esse. Fiz outro! Por que to falando isso, é claro que você ta se fazendo e boba.

“Shhhhhh” – escutaram.

- Bom, licença que eu vou embora. Tchau – e, sabiamente, lançou a Cristhian um olhar desdenhoso, com uma pitada de dó. Como se dissesse: “Melhor procurar um médico”.

- Ah, não, não é possível.

“SHHHHH”

Cristhian seguiu-a até a saída. Fabiana correu um pouco em direção a seu carro, depois ficou parada olhando para dentro da bolsa, como se procurasse suas chaves.

- O velho truque de procurar as chaves...

- Ah, não... Me deixa em paz, vai...

Cristhian baixou a guarda. Disse, delicadamente:

- É isso que você quer? Mesmo? Se é isso que você quer, então vou me convencer de que foi mera coincidência mesmo eu ter te encontrado por aqui.

- Não!

- Não?

- Você não me ajudou com as revistas. Pronto, falei.

- Claro que não! E perder a oportunidade de te ver agachada com essa saia?

- Agora eu vou embora.

E saiu em direção ao carro dessa vez para partir de verdade. “Ele é um babaca mesmo, a Má tinha razão”. Mas, agora sim, não encontrava a chave.

- O quê? Não sabia que além de ingênua você era hipócrita. Você usa uma saia que bate na coxa para quê, se não é pra mostrar as pernas. Hoje não ta tão quente assim não...

Fabiana continuou com a cabeça enfiada dentro da bolsa.

- Ok, desculpa... Olha, eu e você viemos aqui hoje pelo mesmo motivo. Eu gosto de você. Você gosta de mim. Já ta evidente não ta?

- Não. E achei que pudesse gostar de você. Agora tenho minhas dúvidas.

- Ótimo! Então é melhor acabar com as dúvidas. Vem, vamos tomar um café...

Fabiana ficou tentada a aceitar o convite. Mas no momento estava muito pouco a vontade com a micro saia.

- Agora eu não posso. Tenho compromisso.

- Amanhã, sábado?

- Pode ser. Tchau.

- E seu telefone?

- O que é que tem?

- Preciso te ligar.

- Não precisa, só se você quiser.

- É, eu sei.

- Grosso!

- Que foi?

- Nada. Vai, deixa eu te falar logo meu telefone, antes que eu mude de idéia.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

De blusa nova

Ana Beatriz havia já cansado de ir com as roupas da prima mais velha para o colégio. Não eram más as roupas. Nem totalmente fora de moda. Calça jeans e blusa lisa não saem de moda. Também aparentemente as roupas não eram velhas. Tinham boa qualidade.

Ninguém nunca havia criticado suas roupas. Nem amigos nem inimigos. Nem à sua frente nem às suas costas. Sou narradora onisciente: eu sei.

Mas ainda assim... Ela sempre via as meninas tão arrumadas, tão confiantes com suas roupas diferentes, com cortes inovadores, frente única, estampas, uma manga mais comprida do que a outra. Todo dia uma elogiava a roupa da outra. Só Ana Beatriz nunca era elogiada.

Um dia resolveu fazer o que nunca antes fizera, e pediu à mãe roupas novas:

- Mãe, eu gostaria, se possível, de comprar uma roupa nova. Não precisa ser nada muito caro. Uma blusinha, assim, e uma calça. Se não der, também, não tem problema, sabe, não estou reclamando que não tenho roupa, é só que, se fosse possível, alguma coisa diferente do que eu tenho...

A mãe achou justo e foram ao shopping.

Ana Beatriz provou mais de 50 modelos de blusas. Sua mãe deixou ela levar três: uma frente única, uma com uma manga mais comprida do que a outra, e uma com um decote realmente bonito.

Passou duas horas decidindo qual usaria no dia seguinte. Escolheu o sapato perfeito, a bolsa perfeita, o brinco perfeito. Tudo para combinar. Acordou mais cedo para lavar o cabelo e fazer escova. Treinou em seu quarto com entraria na sala de aula com a roupa nova. Será que iam reparar? Talvez até comentassem como ela estava bonita.

Entrou na sala com a cabeça erguida. Era verdade o que diziam, que se arrumar deixa as mulheres mais felizes. Ana Beatriz se sentia até mais saudável. Foi até uma cadeira lá no fundo, para poder desfilar por toda a sala. Depois, fingiu mudar de idéia e foi sentar na frente. Desfilou, desse modo, de frente e de costas. Conversou com as amigas, antes de a aula começar, em pé, para ser mais notada.

Então a aula começou, ela se sentou, mexeu nos longos cabelos, trouxe-os para a frente do ombro – estava com calor na nuca – e, cinco minutos passados, o menino de trás a cutucou.

Virou-se. Será que ele ia elogiá-la? Não era um rapaz muito bonito, e era meio bagunceiro. Mas seria tão bom ouvir um elogio de um menino...

- Olha, o pessoal atrás ta dizendo que não ta interessado em comprar a sua blusa não. Até que ta um bom preço, mas eles preferem ir direto até a loja.

- Quê???

O menino começou a rir, assim como todos os seus amigos. Só então uma amiga de Ana Beatriz, sentada à sua diagonal, reparou o motivo da graça:

- A etiqueta, Ana. Você esqueceu de tirar.

A amiga se aproximou, arrancou a etiqueta, jogou no lixo, e, vendo a cara triste de Ana Beatriz, disse:

- Relaxa, eu também sempre esqueço de tirar a etiqueta.

Mentira, Ana Beatriz sabia que era mentira. Isso só acontecia com ela. Pensou como também suas amigas nunca deixavam o estojo cair no chão e espelhar todas as canetas pela sala, como elas nunca tropeçavam, como os cabelos delas nunca ficavam despenteados durante o dia, como nunca havia um pingo de café em suas roupas.

Mudou o humor repentinamente. Fechou a cara. Desiluminou-se. Demorou um ano para usar a blusa novamente.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A biblioteca da FAU (Como saber que ele é o grande amor, parte 5)

- Se você até me citou Kafka, amiga, eu vou.

Fabiana foi na segunda-feira seguinte até a biblioteca da FAU. Nunca tinha estado lá, e ficou surpresa com a quantidade de estudantes sentados em frente a grandes volumes abertos. Sentiu-se uma péssima estudante.

Também não estava muito à vontade. Havia caprichado muito na roupa e na maquiagem e, claramente, não pertencia àquele lugar.

Então, na mesa de estudos mais central, avistou Cristhian. Pegou uma revista de decoração francesa – a primeira que viu – e sentou-se na mesa da frente, como se não o houvesse notado.

Como aparentemente o rapaz estava muito entretido com um livro de cenários, ela achou melhor passar mais tempo escolhendo uma revista. Quem sabe o excesso de tempo que uma menina poderia passar em frente a uma pequena estante não chamaria atenção...

Deve ter ficado em pé, parada, por cinco minutos. Então teve a brilhante idéia de jogar algumas revistas no chão, acidentalmente, claro. Um segundo depois já não achava a idéia tão brilhante assim, pois não apenas Cristhian, mas toda a biblioteca voltou os olhares a ela, a menina barulhenta e desastrada.

Achou a idéia menos brilhante ainda quando percebeu que deveria ficar agachada com sua micro saia para retirar as revistas do chão. Teve a esperança de que alguém a ajudasse, mas ninguém se manifestou.

Voltou a se sentar, sem compreender porque Cristhian não fora falar com ela, apesar de certamente tê-la visto. Ficou envergonhado, só podia ser. Talvez não gostasse da forma como ela havia se vestido. Achou-a feia, devia ser isso. Lembrava ela bonita e agora que vira a verdadeira Fabiana desiludiu-se.

Ah, não. A culpa era toda de Marcela. Hoje mesmo iria tirar satisfação com a amiga. Afinal, não era a ela que Cristhian se referia no filme, mas talvez àquela menina estranha sentada ao lado dele.

Queria morrer. Era como se o livro de sua vida fosse queimado, e o príncipe encantado tivesse deixado de existir. Pior: ainda existia, mas não era mais dela.

Inspirou fundo, levantou para ir embora.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Sono

Se eu pudesse voar, me jogaria desta janela imediatamente. Mas apenas se eu pudesse voar.

Se eu pudesse voar, daria mortais triplos. Ou melhor, quíntuplos. Um atrás do outro. Mesmo já tonta. Muitos mortais, sem nenhum risco de morte.

Se eu pudesse voar, não voaria tão alto que fosse impossível às pessoas me verem. Mas, se eu pudesse voar, voaria o mais alto possível, até quase me perder sem gravidade, para o infinito.

Iria para todos os lugares, mas, se apenas eu e só eu pudesse voar, não voaria para o frio. Só para o quente.

Talvez, se eu pudesse voar, eu não voaria, mas sim dançaria. Feito uma criança gordinha que começa a fazer aula de balé. Ou os hipopótamos de Fantasia.

Estaria sempre com um lenço, para nunca espirrar no ar, sobre as pessoas.

Voaria de pijama. É mais confortável.

Voaria com um travesseiro, para ter um apoio para a cabeça, ou para as costas, ou mesmo para a bunda quando estivesse cansada.

Voaria agarrada a um bichinho de pelúcia.

Voaria ouvindo música bem baixinho.

Voaria pensando na vida. No dia. Nos problemas que acabaram e nos que estão para começar. Nas coisas boas que passaram e que podem continuar.

Voaria um sonho. Desses que eu tinha quando eu sabia dormir sem ser de mentirinha.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Método simples para dar ânimo aos estudos

Eu descobri que uma das pessoas que caiu neste blog procurava no google "Ficar animado para estudar". Não sei se essa pessoa voltará ao blog - creio que não - mas resolvi deixar registrado aqui a minha fórmula para ficar animada para estudar. Devo apenas dizer que ela pode gerar alguns efeitos colaterais, como aumento de peso e vício em joguinhos de computador.

Também não sei se funciona com qualquer um. Sou muito métodica, creio que por isso ajude comigo. Mas não custa nada tentar.

Trata-se de você ir se premiando conforme estuda. Se o estudo é a leitura de um texto de, digamos, 50 páginas, você estabelece que a cada 10 páginas você vai fazer uma pausa - de 2 a 5 minutos - para comer um chocolate, comer uma bolacha, fazer um micro lanche, ou jogar um joguinho no computador. Vale paciência, campo minado, free cell... Até coisas simples, como ver se chegou email, entram no intervalinho.

Atenção: O intrevalo deve ser curto. Por isso, pode-se fazer apenas uma coisa durante ele. "Ah, mas não perco nenhum tempo vendo meu email. Não posso ver e jogar paciência?" Não, não pode. Jogue paciência e deixe o email para as próximas 10 páginas.

Se você não curte nada dessas coisas, encontre algo que curta. Ligue para o namorado, ouça uma música, toque uma música, assista um vídeo no YouTube, entre no msn...

Se ainda assim estiver impossível ler as 10 páginas, mude para 5. Se o estudo for fazer exercícios, estabeleça o intervalo a cada 10 exercícios, ou 20, ou 5, dependendo da dificuldade. Se preferir, o intervalo pode ser estabelecido não de acordo com o número de páginas, mas de acordo com o tempo de estudo. Por exemplo: a cada meia hora, haverá um intervalo.

Vale atentar para o fato de que estudar é chato de qualquer jeito. Ainda com o método será chato ficar sentado lendo um texto quando tá passando um filme ótimo na televisão. Os intervalinhos apenas são um incentivo para continuar estudando. Para pensar "Só mais duas páginas, e vou comer um pedaço daquele bolo de chocolate".

Bons estudos, espero que funcione!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

E se morrer?

Dia após dia, Karina ia conversando consigo mesma sobre tudo o que via e ouvia.

Um dia, já com 15 anos, voltando do colégio para a casa, distraída com o pensar, atravessou a rua sem perceber o semáforo aberto aos carros.

Deu sorte. Justo naquele momento, apenas um carro estava passando, e não em uma velocidade suficientemente rápida que o impedisse de desviar da menina.

Houve buzinas. Mas nenhum acidente.

- Que louca. Nossa. Essa foi por pouco. Já pensou? E se eu tivesse sido atropelada? Até que não seria tão mal... Tem prova de matemática amanhã, eu não precisaria estudar. Se fosse feio, e eu morresse, nunca mais ia precisar estudar. Mas, pensando assim, que seria bom morrer, eu mesma poderia me matar, não precisaria de um carro pra fazer isso. Sem contar que se eu morresse atropelada, o motorista poderia ser preso, ficar traumatizado, e tal. Não. E se ele tiver uma filha? Coitada... Eu não ia gostar se minha mãe fosse presa só por que uma menina não quis estudar pra prova de matemática do dia seguinte. Quanto egoísmo! Seria horrível se minha mãe fosse presa por isso... O pior é que não é tão improvável assim acontecer. Acidentes de carro acontecem o tempo todo. O bom é que minha mãe não dirige, mas a Dona Ângela. Ai, já pensou se neste momento a Dona Ângela está se envolvendo em algum acidente de carro. Tudo ficaria muito diferente se a Dona Ângela morresse. Espero que não aconteça nada. O que poderia acontecer também é de o motorista que quase me atropelou ter ficado bravo. Vai ver agora mesmo ele está bem atrás de mim prestes a me lançar um tiro nas costas. Prefiro morrer a ficar um vegetal. Posso ficar paralítica também. Não sei se prefiro.

Chegou a casa e o pensamento deu um tempo com as distrações da hora do almoço. Karina nem se deu conta de quão macabros poderiam ser seus pensamentos. Ela não desejava morrer. Tampouco gostaria que algo de ruim acontecesse à sua mãe ou a Ângela. Ela simplesmente ia pensando, sem temer a morte. Ou melhor, temer a morte, até que ela temia. Só que, em momentos como esse, ela não estava preocupada com nada. Apenas pensava suposições. E achava normal.

Dia após dia, passou a imaginar formas improváveis de ser morta. Ou de que alguém próximo a ela o fosse. Cair no metrô, levar um tombo, pegar câncer, ser mordida por um cachorro...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A incerteza é sempre um tormento (Como saber que ele é o grande amor, parte 4)

- Não, amiga. Semana que vem.

Fabiana passou uma semana procurando críticas sobre o filme na internet. Descobriu que era romântico, e que seria mais agradável ao público do Cinemark do que ao do Espaço Unibanco. Desde quarta-feira já tinha em mente qual roupa usaria. Só não estava certa quanto ao brinco e ao perfume. Afinal, ele poderia aparecer por lá.

Foi surpreendida pelo pai algumas vezes falando sozinha.

- Ai, claro que ele não vai. Já faz mais de uma semana que o filme estreou. Nem sei porque vou assistir... Mas talvez... Né? Se ele estiver me procurando...

O sábado chegou. Foi buscar Marcela e, duas horas antes de começar a sessão, já tinham os ingressos em mãos.

- Duas horas, Fabi?

- Desculpa, Má, me enganei. Achei que fosse mais cedo – mentiu.

Ficaram no café até entrar no filme, do qual saíram, duas horas depois, assustadas, perplexas, ansiosas, entusiasmadas, curiosas, duvidosas. Atormentadas. Marcela foi quem quebrou o silêncio.

- Você acha que...

- Não pode ser, né?

- Mas é tanta coincidência.

- Mas vai saber quantas meninas ele não encontra falando mal de um filme dele.

- Em um café. E uma faz arquitetura, e chama Fabiana...

- E ele promete escrever quando será o lançamento do novo filme no cardápio e não consegue...

- Só porque agora os cardápios são plastificados e.

As duas se olharam. Correram até o café. Sim, os cardápios estavam plastificados. Não era possível. Fabiana não se achava tão atraente assim para tornar-se personagem principal do filme de um diretor que conheceram por apenas 2 minutos. Não podia ser. Mas a história de como haviam se conhecido, os diálogos... Tudo tão igual. Será?

- Só tem um jeito de a gente descobrir?

- Como?

- Continuando o filme. Faz sentido, Fabi. O cara conhece a menina. Não consegue encontrá-la...

- Ele sabe que todo sábado estamos aqui.

- Vai ver ele só quer te encontrar se tiver certeza de que você também quer vê-lo. Homem!

- É. Mas isso significa que... a biblioteca da FAU?

- Acho que sim. Se no filme o cara passa todas as manhãs de segunda-feira na biblioteca da FAU na esperança de um dia te encontrar...

- Encontrar a menina.

- Tanto faz. E com certeza ele não passa de fato todas as segundas lá. Talvez desde que estreou o filme.

- To achando isso meio estranho, Má. Sei lá. Qual a chance de eu ter sabido do filme e assistido?

- Mas seria muita coincidência. Não custa tentar. Além do mais, se você não for, vai ficar pra sempre se perguntando. Acaba logo com a dúvida.

- Você acha?

- “Mesmo a mínima incerteza no assunto mais insignificante é sempre um tormento, e quando é fácil eliminá-la, como neste caso, então é melhor fazê-lo o quanto antes”.

- Drummond?

- Kafka.

- Se você até me citou Kafka, amiga, eu vou.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O mau professor

Não sabe, não,
Não sabe
A quem quer enganar?

“Olha no dicionário”, diz
Aos alunos o bom professor
Enche-se de graça:
“Assim aprenderão melhor”

Mentira, sim
Mentira
Tem é vergonha de tornar pública sua ignorância

Sagaz, porém,
Não há quem contra ele possa
“Reclame, sim. O que não gosta na aula?”
“Deixa quieto”, digo. Preciso de nota.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Como saber que ele é o grande amor, parte 3

Mais de um ano havia se passado desde a situação embaraçosa que Marcela e Fabiana tiveram com o diretor brasileiro no café. Também mais de um ano havia passado desde que Fabiana resolvera sempre dar uma olhada no cardápio, mesmo que, afinal de contas, o pedido sempre fosse:

- Um expresso puro, por favor.

A menina mantinha a esperança de que o cineasta deixasse algum aviso sobre seu novo filme entre o preço de um capuccino e o de um chá quente.

- E aí? Alguma mudança no cardápio dessa vez? Quem sabe um café com licor de frutas vermelhas, marshmallow e castanhas?

- Quê?

- Poxa, faz uns dois anos que a gente vem aqui. Você sempre pede a mesma coisa. Mas toda vez fica olhando o cardápio e TODA vez fica com essa carinha emburrada.

- Não fico nada.

- Fica sim. Se você quer alguma coisa especial, pede pro garçom, talvez tenha. Ou a gente pode começar a ir em outro café, tem um legal

- NÃO! Não, eu gosto daqui.

- Ta bom...

- É que... Ai, ta bom. Você vai me achar uma idiota, mas ok. Lembra do Cristhian?

- Cristhian?

- É, o diretor daquele filme que a gente encontrou faz mó tempo...

- Ah, sei. Aquele babaca.

- É, então. Ele disse que ia fazer outro filme, e que deixava um aviso no cardápio. Por isso, eu sempre procuro um aviso, mas nunca tem nada!

- E por que você estaria interessada no novo filme dele?

- Não sei. Nem é no filme que eu to interessada.

- Hum...

- Não é isso! É que se ele falou que ia deixar anotado no cardápio, por que não deixou? É ridículo isso! É como pedir o telefone e depois não ligar! Não pede o telefone, então!

- Ah, sim, a mesma situação mesmo. É. Igualzinho. Mas bom, eu não tinha te falado porque não achei que você fosse se interessar tanto. O novo filme dele entrou em cartaz semana passada. Chama... Como saber que ela é o grande amor. Criativo ele, não? O de antes era Como saber que ele... Agora é ela. A gente pode ir semana que vem.

- Ah, também, não é que eu faça questão de ir no filme, só fiquei brava por causa da história do cardápio.

- Fabi. Nós vamos. Aposto que por você a gente iria agora.

- Quer?

- Não, amiga. Semana que vem.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

10 perguntas não respondidas

Por que a escrita, apesar de tão antiga e de ter passado por tantas transformações, não cumpre 100% a necessidade humana de comunicação?

Por que insistem em servir melancia de sobremesa?

Por que TPM dá carência e vontade comer chocolate?

Como é possível uma mesma pessoa ter preguiça de dormir, de acordar, de tomar banho e de sair do banho?

Por que o motor 1.0 do Fox seria melhor do que o motor 1.0 do Gol?

Por que a divisão de papeis em um grupo de teatro nunca é justa?

Por que o bom-senso não é atributo de todas as pessoas do mundo?

Por que não é divulgado por aí que um barra de cereal pode ter mais calorias do que 6 Pringles e que 6 Pringles têm a mesma quantidade de calorias do que uma colher de sopa de Moça Fiesta de brigadeiro?

Por que pessoas que fazem Letras gostam de não se pentear e de pôr roupas grandes?

Por que cheiro não sai em fotografia?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Querido Sol,

Sei que sua ausência estava sendo clamada por muitos brasileiros. Sei que não houve egoísmo algum em sua escolha de não comparecer hoje. Confio em você, sol. Sei que, no fundo, você só quer o nosso bem.

Mas sol! Como posso dizer isso? Sol! Preciso de você de novo. Você não entende?

Sem você, eu tenho preguiça. Sabe o que é preguiça? Provavelmente não. Você está sempre com tanta energia, não é?

Preguiça é uma vontade anormal de não fazer nada. De ficar em casa o dia inteiro, debaixo do cobertor, comendo e assistindo à televisão. Não! Isso não pode acontecer, não pode.

Primeiro, porque estou em ano de TCC e preciso ler um texto enorme pra uma faculdade, e um livro pra outra. Não tenho tempo para ficar debaixo do cobertor assistindo a televisão o dia todo.

Segundo, porque não tem nada de bom passando na tv. Tem a abertura das olimpíadas, mas que saco! Ok, é bonito, mas não compensa a voz irritante daquele cara que só fala besteira. E como demora... Mesmo com preguiça, não agüento tanto tempo de chineses batucando.

Terceiro, porque eu não posso passar o dia comendo. Domingo é dia dos pais, sabe o que isso significa? Muita comida. Muita mesmo. E foi tão difícil perder aqueles quilinhos... Não quero ganhar tudo de volta em apenas um dia.

Por isso sol, me ajude. Eu imploro, volte! Venha iluminar meu dia. Mande-me para a piscina. Fico sob os seus raios lendo o livro, ou o texto. Faça-me querer uma salada no lugar de um chocolate quente. Tire-me de casa! Passe a mim um pouco de sua tão abundante energia. Por favor, sol, por favor. Atenda a esse meu pedido egoísta. Só dessa vez...

Espero te ver em breve,

Com amor,

Diana

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Em círculos

- Alô

- Oi, sou eu

- Oi!! Você não vem?

- Já cheguei, to aqui embaixo.

- Então sobe.

- Preciso estacionar o carro. Não tem vaga.

- Como não. Na rua, não tem?

- Não. Ta lotado. Provavelmente com o carro de amigos seus. Quantas pessoas você chamou?

- Umas trinta.

- E todas tinham que vir de carro?

- Você ta dirigindo com o celular?

- Não, to parado num lugar proibido com o pisca. Cansei de ficar dirigindo em círculos. Mas e aí?

- E aí o quê?

- E aí onde eu deixo meu carro, oras.

- Tenta estacionar em outro lugar.

- Não tem. Já rodei uns cinco quarteirões por aqui. Não tem nenhum lugar. Nenhum.

- E o que você quer que eu faça?

- Sei lá. Você me convidou. Acha uma vaga pra mim.

- Você quer que eu crie uma vaga? Quer que eu mande algum amigo embora pra você pegar a vaga dele? Não tem o que fazer. Eu sinto muito, mesmo, mas acho que você vai ter que deixar seu carro longe.

- É perigoso.

- Deixa no shopping, que é aqui perto. Aí você pega um táxi.

- To duro. Não dá pra pagar táxi.

- Ai... Eu pago pra você.

- Não posso aceitar.

- Olha, eu vou voltar pra minha festa. Se quiser vir vem, se não quiser não vem. Eu te falei desde o começo que você não precisava vir se não quisesse.

- Você não pode me buscar no shopping?

- E deixar meus convidados sozinhos?

- Ué? Você não confia nos seus próprios amigos?

- Claro que confio.

- Então.

- Então que prefiro gastar 7 reais no seu táxi do que ir até o shopping só pra te buscar.

- Nossa.

- Que foi?

- Eu não faria isso com você.

- É, pois é, somos diferentes. Talvez foi por isso mesmo que terminamos, se não me engano.

- Talvez ainda estaríamos juntos se você...

- Se eu?... Alo? Se eu o que? Ooooi! Ficou mudo agora?

- Alo?

- E aí, não vai responder?

- Desculpa, é que livrou uma das vagas aqui e eu fui estacionar. Já to subindo. O que estávamos falando mesmo?

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

As dúvidas de Karina

Com a separação de Ângela e o conseqüente afastamento de seus filhos, Karina começou a ganhar mais e mais atenção da dona de casa. Pôde jogar videogame, ver tv e até faltar à escola apenas porque queria.

Foi nessa época também que Karina notou uma subida mudança de humor em sua tia-mãe. Ela andava cabisbaixa, melancólica, deprimida. Karina teve medo de ter dito ou feito algo de errado. Mas não sabia o quê. Comentou com Ângela.

- Triste? Não, não. Deve ser só cansaço, por causa da idade.

Karina não entendeu como a idade poderia deixar a mãe cansada. Tampouco como a tia poderia estar cansada.

- Ela diz que ta com falta de sono! Nem dorme muito a noite.

- Pergunta pra ela, então.

- Mas e se for alguma coisa que eu fiz?

- Então não pergunta.

Por dias Karina, aquela menininha que então contava 11 anos, observou cada gesto e cada palavra da mãe. Pensou, refletiu, repassou mentalmente todos os acontecimentos de que havia reparado na mudança de humor. Escreveu uma carta. Rasgou. Escreveu outra. Começou a escutar vozes em sua cabeça da mãe gritando com ela. Gritos que nunca havia ouvido, mas escutava em sua mente. Após um Mês, tomou coragem e perguntou.

A coisa era simples. A mãe estava enciumada.

- Eu... Acho bom para você que a Dona Ângela goste de você... É só que... Você... Vai me trocar por ela, não vai?

- Te trocar? Por que eu faria isso?

A mãe tentou explicar, mas era algo tão inviável para a menina que nada que a mãe dissesse faria sentido. A não ser o “eu te amo, filha”, para concluir a conversa, que foi correspondido por Karina.

O ciúme acabou aí, mas esse mês definiu a personalidade de Karina pelo resto de sua vida. Por tanto ter pensado e conversado consigo mesma sobre o que teria acontecido com a mãe, sem ter chegado à conclusão alguma, achou, quase sem querer, que precisava treinar mais o pensar. E começou a usá-lo com tudo. Tudo mesmo. “Por que aquele homem na padaria deixou a mulher ficar com o troco? Será que ele tava com muita pressa?”, “Por que quando eu tomo banho prefiro começar a me ensaboar pelos pés?”, “Por que quando as pessoas casam, elas precisam usar anéis?”. Dia após dia, ia conversando consigo mesma sobre tudo o que via e ouvia.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Velozes e furiosos

Adianta ter pressa? Não vou conseguir andar mais rápido do que isso. Não com esse dedo. Pelo menos assim eu observo um pouco as coisas em volta. Aquele prédio antigo, por exemplo, acho que nunca tinha reparado nele. Deve ser tombado. Olha! Uma banca que recarrega bilhete único. Achei que nenhuma por aqui carregasse mais. Gente, mas essa calçada... Pelo amor de deus.

Essas pessoas podiam ser mais bonitas. Mais agradáveis pelo menos. Será que eu consigo fazer alguém olhar no meu olho? Hum... Alguém? Sou mais bonita que o chããão! Olhem pra mim! Ooooi! Não? Mesmo? Eu prometo, dou um sorriso. Mas também nessa velocidade nem olhando em frente dá tempo de olhar nos meus olhos.

Não vou chegar nunca! Devia ter vindo de carro. Não é uma sensação muito boa ficar sendo ultrapassada por pessoas bufantes. Será que se eu parar de repente alguém esbarra em mim? Não vou tentar.

Ah, aquele homem. Ele não ta vindo tão rápido assim. Ele ta levantando a cabeça! Eba! Isso, isso, olha pra mim! Olha pra mim! Meu, deus, acho que ele ta sorrindo! E o braço! Ele ta levantando o braço. Ah, não, daí até já é meio bizarro. Ele deve estar vendo alguém atrás de mim. Não, ninguém. Ué, mas ele ta com um lenço na mão? Ok, ele só queria espirrar. Ainda bem que eu ainda não tinha começado a retribuir o sorriso.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Colorindo (final)

- Já vi que vamos desenhar florzinha...

- Não é bem isso.

Trafegaram por mais 15 minutos. A moça estacionou. Desceram com as latas de tinta. Houve a explicação:

- Vai ser assim. Vamos pintar a rua mesmo, onde os carros passam, com a tinta rosa. A calçada, de roxo. E depois podemos usar o verde e o azul pra fazer os desenhos. Nem florzinhas, nem super-herói, nem protestos... Não quero passar mensagem nenhuma, entendem? Quero apenas mudar a cara de uma rua. Torná-la mais... interessante.

- Por que isso?

- Por que você fez esse buraco aí na orelha?

- Porque é da hora, sei lá, pra ficar diferente.

- A tinta é o buraco na orelha da rua.

- Que que ela ta falando?

- Sei lá, ficou doida.

- De qualquer forma, vamos pintar a rua. E com formas. Desenhos abstratos. Sabem? Traços, figuras geométricas...

- Não peguei não.

- Eu vou fazer um exemplo antes aí você vão se inspirando. Melhor vocês colocarem as camisetas velhas se quiserem que as novas continuem limpas.

A rua possuía uma leve inclinação. Ela subiu na parte mais alta. Abriu a lata. Deixou que toda a tinta rosa escorresse, como um rio. Ia da direita para a esquerda, para que cada canto da rua recebesse sua parte. Os meninos, imitando-a, deixaram as calçadas roxas. Então depararam-se com outro erro de planejamento da mulher:

- Vamos ter que esperar essa tinta toda secar.

Resolveram ficar dentro do carro ouvindo música. Chegou um policial.

- O que ta acontecendo aqui?

- Estamos pintando a rua.

- Isso é proibido.

- Gostaria de ver minha identidade, policial?

- Por favor.

Ele examinou, enquanto ela dizia:

- Imagino que esteja interessado em uma posição mais privilegiada dentro da polícia. Pois bem. Por que não me deixa seu nome e sobrenome, e eu dou um jeito nisso?

- Seria muita gentileza sua.

- É um agradecimento pela sua gentileza em nos deixar pintar a rua.

- Pinte a rua.

Escreveu em um pedaço de papel seu nome e sobrenome. Ela colocou o papel dentro da carteira. Ele saiu. Os meninos se entreolharam, mas, lembrando do combinado, não fizeram perguntas.

Depois de um tempo, voltaram à pintura.

Desenharam curvas, traços, círculos, espirais, triângulos. Verdes, azuis, rosas – somente nas calçadas – e roxos – somente na área de tráfego. A rua ficou especial, não se pode dizer o contrário. Ela não errou quando definiu o projeto como o buraco na orelha. Pois, como esperado em um mundo real, o resultado não foi bonito. Nenhum dos três tinha muitos dons para as artes. O rosa, fraco, mal conseguiu esconder o forte cinza do cimento. Mas a rua ficou diferente. Interessantemente diferente. Virou atração do bairro. Um mês depois da obra, quando o prefeito decretou, por insistência de sua irmã, um Dia Nacional das Cores, centenas de pessoas, inclusive a imprensa, foram comemorar no minúsculo local.

Ninguém se perguntou quem havia feito o trabalho. Acharam que era coisa da Prefeitura mesmo. Os meninos contaram a todos do bairro que haviam sido eles, mas ninguém acreditou. Ficaram apenas com o gosto bom daquele dia. E com a terrível sensação de que, sim, para que a vida fosse boa, era necessário ter dinheiro e poder.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Colorindo (4a parte)

- É a melhor dor que já senti na vida!

Patinaram por toda a uma hora a que tinham direito. Saíram reclamando como nunca da dor que sentiam, mas também agradeciam a moça de minuto em minuto pelo dia.

- Só to com medo do que vai ser essa coisa que você vai pedir pra gente. Pra ta sendo tão boazinha assim... É coisa ilegal, é, Dona?

- Não vou responder. Falta pouco pra vocês saberem. Só garanto o seguinte: Nada de ruim irá acontecer com vocês. Nada mesmo. E... se vocês querem saber, a patinação no gelo já faz parte do favor.

- Como?

- Sei lá. Dá uma sensação tão boa ser a responsável pela felicidade dos outros.

- Pô. Se quiser pode ser a responsável pela minha felicidade quantas vezes quiser! Não ligo não!

- É, bom, mas agora são vocês que vão me deixar feliz. E ficarem felizes também. É tudo uma via de duas mãos, tão percebendo? Não, né? Tudo bem. Vamos embora porque se não não vai dar tempo.

- Pra onde vamos?

- Pra uma rua pequenininha, aqui perto. Com certeza ela estará vazia. Em dia de semana, fica um trânsito lá insuportável. E é tão feia... Então... Nós vamos...

- Pintar a rua?

- Você é mesmo inteligente, Cabeça!

- Mas, moça, isso não é proibido?

- Você também é inteligente, Pulu. Mas não se preocupem. Eu sou a favor de ser ilegal quando a coisa é pro bem.

- Mas e se pegarem a gente? Não sei não...

- Olha: palavra de honra que, com ou sem polícia, ninguém vai prender nem multar a gente. Eu não conheço a família de vocês, vocês não conhecem a minha.

- São da polícia?

- Sem peguntas. Não interessa quem são ou o que fazem. Interessa que, se eu quero pintar a rua, eu posso pintar a rua. E eu vou pintar a rua. Tenho certeza que vai ser uma das coisas mais divertidas que vou ter feito na vida. Mais legal do que patinação no gelo. E aí? Vão me ajudar ou não?

- To dentro!

- Eu também! Posso desenhar o super-homem?

- É , então, sobre isso eu tenho que colocar algumas restrições...

- É, Pulu, já vimos que vamos desenhar florzinha...