segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Xingamento acidental

Todo o mundo tirava sarro daquela menina. Ela faltava às aulas dia sim, dia não. Ela tinha espinhas. Ela era gorda. Ela era feia. E, indiscutivelmente, ela era burra:

- Silvana, você é uma anfíbia!!!
- Ah, é? Então você, você é... Você é um mamífero, Fábio.

Fábio também não era lá muito inteligente. O único aluno repetente da turma da sexta série. Mas era bonito, mais velho, engraçado, bagunceiro e não ia deixar passar em branco a gafe de Silvana. Todos os dias, estando a menina presente ou não, alguém gritava “Você é um mamífero, Fábio!”

Eu me dava bem com Silvana. Claro que dava boas risadas com as piadas que faziam dela. Eram más, mas muito engraçadas. De qualquer modo, se não éramos propriamente amigas, de confiar segredos, eu tinha dó dela e achava-a bastante simpática. Um dia ela até veio em casa pra gente brincar. Foi tão divertido que ela ficou para dormir. No dia seguinte perguntei:

- Quer uma meia emprestada?

E ela respondeu, nervosa:

- Não é porque todo o mundo tira sarro de mim porque eu não usei meia um dia que eu vou começar a me preocupar com isso.

Disse, sinceramente:

- Quê? Tiraram sarro de você porque você não tava de meia?

- É, mas eu não ligo pra isso.

- Eu nem sabia disso. Ofereci porque pensei que as suas estão sujas, porque você dormiu aqui...

E eu juro que não guardei rancor nenhum dessa bronca. Juro que não foi por causa disso que espalhei a piada que arruinaria de vez a 6a série de Silvana. Foi sem querer. Não fiz pra ser popular. Nem pensei que a piada feita em voz baixa para uma colega ao lado fosse se espalhar tão rapidamente. Apenas tive um pensamento, achei engraçado, e repeti para alguém. Juro. Se eu pudesse voltar no tempo, nunca teria dito, após o professor reclamar da ausência de Silvana:

- Sabe por que a Silvana falta muito? É porque de segunda ela tem escola, de terça ela tem balé, de quarta escola, de quinta balé...

Nem pensei balé para tirar sarro dela, a anfíbia dançarina, como ficou conhecida. Apenas surgiu como atividades que as outras crianças faziam a tarde, e não de manhã. Essa era a piada. Nem achava ela feia. Também não era bonita. Mas eu não era muito melhor. Também tiravam sarro de mim às vezes. Não foi de propósito, não foi. Eu juro. Não queria que ela tivesse mudado de escola. Ou que tivesse chorado. Ou que, para sempre, fosse a sapa espinhenta que, de terça e quinta, fazia balé.

Um comentário:

Juliana Dayan disse...

noooossa, vc desenterrou essa história láááá do fundo!

sabe que ela estava na minha casa quando aconteceu aquela história do mamífero...nós éramos um grupo de algum trabalho, eu, ela, o fábio e mais alguém que não lembro quem era, e essa conversa foi no telefone...aiaiai

recordar é viver