quarta-feira, 6 de agosto de 2008

As dúvidas de Karina

Com a separação de Ângela e o conseqüente afastamento de seus filhos, Karina começou a ganhar mais e mais atenção da dona de casa. Pôde jogar videogame, ver tv e até faltar à escola apenas porque queria.

Foi nessa época também que Karina notou uma subida mudança de humor em sua tia-mãe. Ela andava cabisbaixa, melancólica, deprimida. Karina teve medo de ter dito ou feito algo de errado. Mas não sabia o quê. Comentou com Ângela.

- Triste? Não, não. Deve ser só cansaço, por causa da idade.

Karina não entendeu como a idade poderia deixar a mãe cansada. Tampouco como a tia poderia estar cansada.

- Ela diz que ta com falta de sono! Nem dorme muito a noite.

- Pergunta pra ela, então.

- Mas e se for alguma coisa que eu fiz?

- Então não pergunta.

Por dias Karina, aquela menininha que então contava 11 anos, observou cada gesto e cada palavra da mãe. Pensou, refletiu, repassou mentalmente todos os acontecimentos de que havia reparado na mudança de humor. Escreveu uma carta. Rasgou. Escreveu outra. Começou a escutar vozes em sua cabeça da mãe gritando com ela. Gritos que nunca havia ouvido, mas escutava em sua mente. Após um Mês, tomou coragem e perguntou.

A coisa era simples. A mãe estava enciumada.

- Eu... Acho bom para você que a Dona Ângela goste de você... É só que... Você... Vai me trocar por ela, não vai?

- Te trocar? Por que eu faria isso?

A mãe tentou explicar, mas era algo tão inviável para a menina que nada que a mãe dissesse faria sentido. A não ser o “eu te amo, filha”, para concluir a conversa, que foi correspondido por Karina.

O ciúme acabou aí, mas esse mês definiu a personalidade de Karina pelo resto de sua vida. Por tanto ter pensado e conversado consigo mesma sobre o que teria acontecido com a mãe, sem ter chegado à conclusão alguma, achou, quase sem querer, que precisava treinar mais o pensar. E começou a usá-lo com tudo. Tudo mesmo. “Por que aquele homem na padaria deixou a mulher ficar com o troco? Será que ele tava com muita pressa?”, “Por que quando eu tomo banho prefiro começar a me ensaboar pelos pés?”, “Por que quando as pessoas casam, elas precisam usar anéis?”. Dia após dia, ia conversando consigo mesma sobre tudo o que via e ouvia.

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