sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

De férias

Vocês devem ter reparado: estou de férias. Volto em fevereiro...

Bom verão!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Só em São Paulo...

acontece de alguém sair de casa às 19h para a aula das 19h30, andar dois quarteirões com o carro, perceber que não dará tempo de chegar na aula, começar a voltar para casa, abastecer o carro e, mesmo assim, chegar em casa às 20h.

OU...

Só em São Paulo se leva uma hora entre sair de casa, abastecer o carro na esquina, e voltar para casa.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Parabéns para mim!

Nem um 10 compensa todo o estresse que dá um trabalho de conclusão de curso.

Mas a própria conclusão do curso, sim. Aliada então a orgulho dos pais, sorriso dos avaliadores, flores da avó, top pizza, torta de maçã com sorvete de creme e torta de chocolate com calda de frutas vermelhas... Nossa... Aí compensa mesmo!

Daqui a uns quatro anos começa tudo de novo.

Mas um outro dez eu não garanto.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Nunca a culpa é minha...

Depois de contar exatamente 6 minutos e meio olhando para uma página em branco no word, cheguei à conclusão de que hoje, dia da minha banca de TCC, não conseguirei escrever nada melhor do que exatamente estas quatro linhas. Peço desculpas. Sei que ando em falta, mas estou de mãos atadas.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Testando

Quando há um acidente,
Com ambulâncias, maca
e um monte de gente
você pára para ver o que aconteceu.

Por dó ou curiosidade?

Vou fazer um teste.
(É rápido.)
Me responda apenas isso:

Se pudesse fazer uma pergunta
a um colega do acidentado
- que por ali estivesse -
qual seria?

"O que aconteceu?" ou
"Ele tem família?"

Peço então um favor
no caso de ser a 1a opção.
Just... keep walking

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Is that simple

O problema não é esse
Não se deve
Não se precisa
Não se tem que

O problema não é isso
Trabalhar
Fazer
Acontecer

O problema poderia ser
dinheiro.
Mas não é. Não assim.

O problema é:
estudar ou... estudar.
Isto posto: não tem problema.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Diálogo entre uma menina, um livro de matemática e o livro Mrs Dalloway

Acordei e me perguntei se deveria mesmo acordar. Me perguntei. A pergunta foi dirigida a mim. Mas um livro na estante respondeu:

- O que você quer dizer com “deve acordar”?

Achei que, vinda de um livro, a pergunta era um tanto... estúpida. Respondi:

- Quero dizer se devo me levantar ou não.

- Como assim, “deve”? Você tem alguma obrigação em levantar?

Então percebi que a pergunta era um pouco mais profunda do que eu havia pensado, e, neste momento, já me vi entrando em uma profunda discussão sobre os meus deveres.

- Não é que eu tenha obrigação em acordar. Mas tenho outras obrigações, que só conseguirei cumprir se acordar.

- Bom, mas aí a resposta à sua pergunta é bastante óbvia. É evidente que deve acordar.

- Pois então. O que coloco em questão é se é mesmo necessário que eu acorde agora para cumprir com essas obrigações ou se posso dormir mais uma hora, por exemplo.

- E qual é a resposta?

- A resposta é que sim, é possível que eu cumpra com os meus deveres se acordar daqui a uma hora.

- Pronto.

- Não. Na verdade não está pronto. Você é um livro de matemática não é?

- Sou.

- Sabia. Está tudo muito lógico por aqui.

- Lógico.

- O livro ao seu lado é qual?

- Mrs Dalloway

- Perfeito! Você pode fazer o favor de chamá-lo à discussão?

- Não vejo motivo para fazê-lo, mas por que não? Um momento.

- Pois não?

- Livro Mrs Dalloway?

- Eu...
- Essa menina quer bater um papo com você.

- Ãhn? Fala.

- Oi, bom dia. É que assim. Eu tava pensando se preciso levantar agora ou se posso dormir um pouco mais. Porque eu consigo cumprir com as minhas obrigações de hoje dormindo mais, mas ao mesmo tempo eu já dormi dez horas!

- E o que é que tem isso?

- Dez horas é muita coisa pra uma menina da minha idade conseguir dormir hoje em dia. Na maioria dos casos as pessoas não conseguem dormir nem oito!

- Mas se você pode...

- Então acha que devo dormir mais?

- Não sei... Precisaria refletir mais sobre isso. Não existem outros motivos que fariam você ter que acordar? Não sei... de repente, se você acordar agora gasta mais calorias...

- Acho que isso não faz muita diferença. Eu até precisaria arrumar o meu armário, limpar as fotos do computador... Mas acho que se eu levantar agora, não vou querer fazer nada disso.

- Aí já é outra questão, não é, livro de matemática?

- Exato. Aí você não deve pensar se deve acordar agora ou não, mas se deve arrumar o seu armário ou não.

- Está vendo? Você está focando na questão errada.

- Ela estava fazendo isso desde o começo.

- Ah... quer saber? Bom dia para vocês. Estou indo para a sala ver televisão.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Uniforme

Era verão, mas a temperatura obrigava os estudantes a vestirem seus casacos. Recém saída do carro, ela ainda estava em dúvida se precisaria ou não colocar a malha azul que sua mãe trouxera de Buenos Aires, e que pegara às pressas antes de sair de casa.

Enquanto se dirigia à biblioteca, indecisa ainda, ouviu de um rapaz que nunca antes havia visto:

- Está esfriando...

Mas que insulto! Quem ele achava que era? Sua mãe? E, além disso, ela tinha uma malha! Como ele não reparara que no meio daqueles três livros havia uma malha? Ela devia tê-lo mostrado. E o que raios ele tema ver com ela passar frio? E se ela não tivesse uma malha, no que esse comentário iria ajudar? Esse era o problema dessas faculdades de humanas... Fica todo o mundo querendo fazer contato, palpitando...

Entrou e saiu da biblioteca com a malha nos braços. Foi só ao entrar na sala de aula e sentar em uma cadeira bem no centro da segunda fileira que, enfim, agasalhou-se.

A sala ainda não estava cheia, e por isso deixou de reparar nos dois fios que pendiam das laterais da malha. Eles deviam ser amarados para trás, formando um laço nas costas. Mas, sem haver quem pudesse reparar na distração da moça, e com tantas preocupações pendentes em sua mente, deixou-se ficar por cerca de vinte minutos assim, mal vestida.

Enquanto esperava a chagada da professora, lia e relia nervosamente o trabalho para ser entregue na semana seguinte. Tão concentrada, que demorou em reparar na figura que se sentou à sua frente.

Era um menino, um rapaz, com um corte de cabelo definitivamente ruim. Talvez cortado por ele mesmo, ou por sua mãe. Devia ter 19 anos. Mas o cabelo era o de menos em seu visual. Ela demorou a acreditar no que os seus olhos viam. Uniforme. Sim, ele usava uniforme. Não de policial, não de oficial, tampouco de funcionário de alguma grande empresa. Ele usava o uniforme do colégio. Uniforme completo: calça de moletom azul marinho desbotada, malha de moletom azul marinho desbotada e, por baixo desta, podia se ver a gola da camiseta, listrada e com uma sigla de quatro letras, provavelmente a do colégio, certamente público.

Que gente esquisita para haver em uma faculdade da universidade mais bem reconhecida da cidade! Coitado do menino! Então não possuía dinheiro para comprar roupas novas. Talvez mesmo o uniforme fosse de segunda mão. Ou eram presentes, brindes!, dos colégios públicos?

Devia ser inteligente, o menino. Esforçado, no mínimo. Entrar nessa faculdade não era tão difícil assim, mas também de fácil não havia nada. E sentava-se na primeira fileira. Como ela, estava só. Lia alguma coisa, mas não conversava com ninguém. Por que? Ela ainda tinha um motivo. Era nova na turma. Mas isso era raro. Seria ele novo na turma? Não... Não parecia... Subjetivamente, digo, simplesmente não parecia.

Mas que roupinha, não? Será que havia mais exemplares do conjunto? Será que ele usava uniforme também para ir ao bar da esquina? Com certeza não voltaria para casa para se trocar... E, falando em casa, onde seria a sua? Teria uma?

A professora chegou. Ela levantou-se de um pulo. Queria tirar uma dúvida antes de a aula começar. Chegou tarde, duas meninas já haviam tomado para si a atenção da professora. Foi só enquanto aguardava, de pé, na frente de todos, que reparou nos fios ainda soltos da malha. Vexou-se. Corou. Olhou para um lado, olhou para o outro. Discretamente, fez o laço por trás, com uma expressão que dizia algo como nada. Algo como “esses meus gestos de me preocuparem com os fios são involuntários”.

Falou com a professora, sentou-se, olhou para o menino de uniforme, e pensou: “Talvez seja algum aluno de colégio público mesmo. Deve ser um programa. Para conhecer a universidade”. Conformou-se. Abriu o caderno, tateou as costas, suspirou aliviada.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Como fazer o melhor sanduíche

1º) Pegue dois pães de sua preferência

2º) Acrescente manteiga

3º) Coloque três fatias de queijo

4º) Adicione duas fatias de presunto

Está faltando sabor?

5º) Inclua duas rodelas de tomate, temperadas com azeite e sal

Ainda não?

6º) Coloque uma fatia de mortadela

7º) Mostarda, maionese e ketchup a gosto.

Prove. Está faltando alguma coisa? Sim? Não? Mas não está tão gostoso, não é?

Então:

8º) Retire os molhos, a mortadela, o tomate, o presunto e o queijo.

Agora sim: experimente. Isso. Eu sei, é isso mesmo, só o pão com manteiga. Experimente!

Falta alguma coisa?

Pois é. Trata-se de uma máxima para toda a vida.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Que Pirandello fale por mim*

Deixem-me dizer só mais uma coisa, e então termino.

Não quero ofendê-los - ou à sua consciência, como vocês dizem. Sei que não querem que ela seja posta em dúvida. Tinha esquecido, me desculpem. Mas reconheço, reconheço que, para si mesmos, dentro de si, vocês são tal como eu, de fora, os vejo. Não por má vontade. Gostaria que ao menos estivessem cnvencidos disso. Vocês se conhecem, se sentem, se apreciam de uma maneira que não é a minha, mas a sua; e ainda acreditam que o seu juízo final seja o correto, e o meu, falso. Deve ser, não nego. Mas a sua maneira pode ser a minha, e vice-versa?

Eis que voltamos ao princípio!

Posso crer em tudo o que me dizem. Acredito. Ofereço-lhes uma cadeira, vocês se sentam, e vamos tentar chegar a um acordo.

Depois de uma boa hora de conversa, nos entendemos perfeitamente.

Amanhã vocês retornam, com o dedo em riste, gritando:

- Como assim? O que você entendeu? Você não me disse isso e aquilo?

Isso e aquilo, perfeitamente. Mas o problema é que vocês, meus caros, nunca entendem; e eu nunca vou poder explicar-lhes como se traduz em mim aquilo qu evocês me dizem. Sei que vocês não falam turco, sei disso. Usamos, eu e vocês, a mesma língua, as mesmas palavras. Mas que culpa temos, eu e vocês, se as palavras, em si, são vazias? Vazias, meus caros. E vocês as preenchem com o seu sentido, ao dizê-las a mim; e eu, ao recebê-las, inevitavelmente as preencho com o meu sentido. Pensamos que nos entendemos, mas não nos entendemos de modo nenhum.

Ah, isso também é uma velha história, todo mundo sabe. E eu não pretendo dizer nada novo. Apenas volto a perguntar-lhes:

- Mas por que então, santo Deus, vocês continuam a fazer como se não soubessem disso? Por que insitem em falar de vocês, se sabem que, para serem para mim aquilo que são para si mesmos, e eu a vocês tal como sou para mim mesmo, seria preciso que eu, dentro de mim, lhes conferisse aquela mesma realidade que vocês conferem a si, e vice-versa. E isso é possível?

Infelizmente, meus caros, por mais que vocês façam, sempre me darão uma realidade a seu modo, mesmo crendo de boa-fé que seja a meu modo. E talvez seja, não digo que não, quem sabe; mas a um "meu modo" que eu desconheço e que jamais poderia conhecer, o qual somente vocês, que me vêem de fora, reconheceriam: portanto, um "meu modo" a seu uso, não um "meu modo" para mim.

Houvesse fora de nós, externa a vocês e a mim, uma senhora realidade minha e uma senhora realidade sua, digo, em si mesma, igual e imutável! Mas não há. Há em mim e para mim uma realidade minha, aquela que eu me dou; e uma realidade sua e de vocês, para vocês, aquela que vocês se dão - as quais nunca serão as mesmas, nem para vocês nem para mim.

E agora?

Agora, meus amigos, é preciso nos consolarmos com isto: que a minha realidade não é mais verdadeira que a sua, e que tanto a minha quanto a sua duram um só momento.

Sua cabeça está girando um pouco? Então... então concluamos.

*Trecho do livro Um, nenhum e cem mil. Tradução de Maurício Santana Dias

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O lado introspectivo de Maria

Maria sempre teve momento e inflexão, de filosofia, de querer ficar sozinha.

Às vezes, rodeada de gente, ela se fechava, se afastava, não fisicamente, mas no pensamento. As pessoas achavam até engraçado. “A Maria é meio autista”, diziam. “Ela é perdida...”

“Os virginianos costumam se fechar em suas mentes, e se desligam de tudo o que está ocorrendo em volta. Por isso, às vezes dão a impressão de serem autistas”, Maria leu em um livro de signos.

A mãe de Maria sempre diz “Para mim, antes mal acompanhada do que só”. Maria não podia discordar mais. Às vezes, pensava, antes só do que bem acompanhada.

Aí, de repente, recentemente, vai saber porquê, Maria mudou. Passou a sofrer de uma certa carência social. Não queria mais ficar sozinha nunca. Depois da aula, ir para casa e se afastar dos amigos parecia uma tortura, e ficar sozinha em casa no fim de semana não era mais uma possibilidade e, se inevitável, parecia-lhe o fim do mundo. Sentia um vazio estranho...

Podia ser amor pelos amigos, mas ela sempre amara os amigos e isso não acontecia. Podia ser que esses amigos fossem diferentes. Também podia ser a estação fria e a conseqüente necessidade de calor humano, mas Maria já havia passado antes por muitos invernos! Podia ser vontade de que gostassem mais dela, mas isso também sempre foi algo inerente à menina.

O mais interessante é que essa carência social pegou Maria de um jeito que fez com que ela pensasse muito sobre isso, se preocupasse com isso, indagasse o porquê disso. E, na verdade, isso não era importante, era?

Racionalmente, tanto faz as causas! Não era uma coisa que deveria incomodá-la,a menos que ela não tivesse com quem saciar a carência, o que não era o caso. Seria vontade de aproveitar a vida? Ou incapacidade e falta de vontade de suportar a si mesma? Ou, de repente, todas essa reflexões e indagações eram apenas uma forma de o lado introspectivo de Maria, tão silencioso, poder se manifestar.

De fato, foi só essa fase de carência social passar, para que Maria voltasse a ser “autista”. Hoje, ela voltou a ficar feliz em passar o sábado vendo televisão e comendo pizza. E quer saber? Ela está muito melhor assim...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O prazer de ser palhaço

É impressionante como as pessoas se sujeitam cada vez mais a serem palhaças. (Uso no sentido pejorativo: sem ofensas, artistas palhaços!) Não digo nem no sentido de pagar imposto como nunca, de gastar 50 reais pra comer um hambúrguer que vale 10. To falando de circo mesmo.

Fiquei inspirada, como fico todas as quartas-feiras, depois da minha “aula” de ética. Porque esse professor sempre pede para os alunos dizerem o que eles pensam de algum assunto complexo, e eles têm que escrever em uma linha um pensamento que não se esgotaria nem em cinqüenta páginas. É meio que um jogo da sorte, porque se você tiver uma boa idéia, mas o professor não conseguir entender toda a complexidade do seu pensamento durante os 5 segundos que ele gasta para ler sua uma linha (who can blame him?), ele vai ler sua resposta em voz alta para toda a sala em um tom jocoso. E aí toda a sala vai rir de você. E você mesmo ri de você, porque, se não, descobrem que você é que escreveu isso. O resultado é que os próprios alunos alimentam esse circo, em que eles é que são os palhaços. E muitas vezes a frase é de fato muito boa. Se o professor gastasse uns 5 minutos ao menos...

Aí que eu me lembrei de um show da Xuxa que vi uma vez. Uma menina queria ganhar dinheiro, e ela podia ganhar algo como 5 mil reais. Como? Nada mais óbvio: ela tinha um tempo x (acho que dois minutos) para colocar umas 20 galinhas dentro de gaiolas. E não parava por aí. Como era uma superprodução, vestiram a coitada da menina com um macacão jeans, e ela ficava, dentro de uma gaiola gigante, correndo de um lado pra outro, feito tonta, caçando galinhas.

Quando o tempo acabou, ela estava com a última galinha na mão. E perdeu. Todo o auditório gritou “ela merece”. Eu, em casa, até chorei. Mas a menina ficou mesmo sem dinheiro. Hoje, me odeio por ter dado ibope a isso. Mas também não sei dizer com certeza se estava assistindo àquilo porque torcia pela menina pobre ou se porque estava divertido assistir à palhaçada.

Eu poderia dar inúmeros exemplos de situações como essa. Por isso ainda pretendo um dia fazer uma pesquisa sobre esses programas “pseudo-caridosos” que enganam tão bem o público. Talvez meu professor possa me ajudar. Gostaria de saber como ele consegue fazer com que alunos inteligentes dêem nota 9 às suas aulas ridículas, em que, tudo o que ele faz, é ler um texto genial que a gente já deveria ter lido em casa. E ai de quem fizer uma pergunta profunda sobre a obra: quando ele não sabe o que responder, fica bravinho, e consegue – de fato, é um gênio – fazer com que a pergunta inteligente pareça a mais ridícula já feita.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Assalto moderno

- Oi, senhora, espero não está-la incomodando, mas assim... Se não for muito incômodo... se tudo bem pela senhora... É que... na verdade eu nem gostaria de estar fazendo isso, mas é que eu não tenho muito o que fazer mesmo. To perdido nessa vida, mal tenho o que comer, onde dormir... Se a senhora soubesse há quanto tempo eu não bebo uma água limpa... Então, por isso senhora. É... como eu posso dizer? Eu vejo que a senhora parece ser uma boa pessoa. O seu carro não é importado, e parece que nem ar-condicionado tem. Também reparei nas moedinhas que a senhora deixa separado... Imagino que faça caridades e essas coisas. Mas então, senhora, como eu ia dizendo, me desculpe mesmo, eu não gostaria de incomodá-la, mas, de boa, me passa a carteira e o celular se não vou ter que, infelizmente, usar a violência.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Bandidos dinamitam delegacia

- Bom dia.

- Não tem nada de bom.

- É. Eu sei. As paredes estouradas, os inquéritos que sumiram...

- E vai ficar todo mundo espremido nessa sala, porque parece que as outras podem desabar a qualquer momento.

- E pra gente viajar? Não sobrou nada?

- Nada. Vai ser o pior dia do ano.

- Nem mesmo um saquinho? Uma carreirinha?

- Nada. Levaram tudo. Até a caixinha que eu deixo na gaveta, sabe? Com os cigarros já boladinhos... Até isso eles levaram.

- Egoístas.

- Nem me fale. Pô, a gente sempre segura um pouco a barra deles, deixa eles fumarem um mesmo atrás das grades... E a única coisa que os caras deixam é uma espingarda. Onde já se viu? Esquecer uma arma e lembrar até da minha caixinha de cigarros...

- Bom, pensa positivo: com a quantidade de gente que ta vindo pra cá, pra investigar a história, é bom mesmo que não tenha sobrado nada.

- Olha, amigo, honestamente: sem minha carreirinha das 9 horas, não tem pensamento positivo, não...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Um lugar de sonho

Lugar de conhecer estranhos, de se enfiar em almofadas, de receber abraços, de rir sabendo que tudo o que é bom dura o tempo necessário para se tornar inesquecível: meia hora... talvez duas.

Um ambiente meio estilo alternativo pseudo perigoso. Muita gente, gente feliz, gente que não julga, gente que só ama, só ama, só ama. Ama todo mundo, mas não porque está bêbado, mas porque todo mundo é amável todo mundo sorri todo mundo se quer se quer perto.

Lugar de ver o laranja. Pufes laranjas gigantes. Um monte deles, e um monte de gente jogada sobre eles. No meio tem um tapede vermelho, desses materiais aconchegantes. Tem gente deitada nele também. Só feliz. Sentindo-se abraçada. À meia luz, é tudo tão confortável que você sente o abraço de cada um só com o olhar. E, no mundo todo, não há nada melhor do que um abraço. Um abraço é um beijo que conforta o corpo todo. E sua sinceridade é mais fácil de ser sentida do que o beijo. Se você fechar os olhos e tentar ficar um bom tempo imaginando o abraço... não é preciso dizer, você sente. Respiro, penso no laranja, no tapete vermelho, nas pessoas que não julgam, nas risadas altas e gostosas, não de mim, e não necessariamente comigo. Mas que me envolvem de alguma forma. E sinto o abraço.

Queria que a vida inteira fosse só assim.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Método quiçá eficaz para emagrecer

Dizem que em spas de emagrecimento há um método praticamente de tortura para que as pessoas não comam comida gordurosa. Trata-se de dar à pessoa apenas um copo d’água e colocá-la no meio de pessoas comendo pizza, hambúrguer, e por aí vai.

Eu ainda tenho minhas dúvidas se esse método é mesmo de tortura ou se é algo inteligente. A verdade é que eu sou suspeita para criticar ou elogiar qualquer tipo de regime, já que sou do tipo que não sofre nem um pouco em comer só um quadradinho de uma barra de chocolate e deixar o resto para depois.

Mas depois de ouvir um comentário de uma amiga da minha mãe – de que se ela fosse mais a teatros, concertos e apresentações de dança, sentiria menos vontade de comer – voltei a pensar no caso dos spas e achei, sim, que o método pode ser bastante eficiente. E sem implicar nenhum tipo de tortura.

Quando você sente um cheiro, consegue sentir o gosto, não? Mesmo algo que você nunca tenha comido. Atire a primeira pedra aquele que nunca disse “Isso tem gosto de xixi” ou “Isso tem gosto de terra”. Paladar e olfato estão intimamente ligados, e sentimos gosto de cheiro, sim.

E aí entra o método. Você está lá, com um copo d’água. Sente aquele cheiro delicioso de pizza. Vê aquele queijo derretido. Até dá pra sentir um gostinho... Mas, sem nada na sua boca, não dá! Como vai sentir um gosto de pizza se dentro da boca só existe ar? É aí que entra o copo de água. Eu acho que, se fosse eu a pessoa de regime, substituiria a água por algo mastigável, meio sem sabor. Tipo bolacha água e sal. Ou matsa. (Matsa é aquela bolacha estranha que os judeus comem na páscoa). Por que, aí, você sente o cheiro da pizza enquanto come algo sem gosto. Como o cheiro é forte, você começa a senti o gosto da pizza, enquanto mastiga uma bolacha não-calórica. Pizza com as calorias de uma bolacha água e sal! Sensacional!

Gostaria de colocar isso em prática um dia... Vai que funciona?!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Doce Fonte, 2a e última parte

Nunca mais ninguém teria que pagar por açúcar. Bastaria que cada um se dirigisse à estrada e pegasse o seu.

Durante os dois meses seguintes, a compra de açúcar nos supermercados caiu para a metade. Havia dois grupos de pessoas que ainda não consumiam o açúcar gratuito: os desconfiados e, principalmente, os sem tempo.

Como “tempo” parecesse um motivo estúpido para que tanta gente gastasse dinheiro com açúcar, e como grandes fabricantes de açúcar estavam desesperados procurando algum outro meio de sobrevivência, surgiu uma nova profissão: os distribuidores de açúcar gratuito. Funcionava mais ou menos como água já funcionou. Não se paga pelo produto, mas pelo transporte e distribuição do mesmo.

No início, os distribuidores eram trabalhadores independentes. Cada um tinha cinco clientes, no máximo.

Com o tempo, porém, grandes empresários formaram grupos de distribuidores. Com dez, depois 50, até chegar a 200 funcionários cada. Agora, mesmo quem tinha tempo para buscar o próprio açúcar, encontrava dificuldade. As máquinas e equipamentos trazidos pelas novas empresas eram perigosos e, assim, somente “pessoas autorizadas” podiam se aproximar do local.

Em dois anos, o abastecimento do açúcar já atingia cinco Estados diferentes, e falava-se inclusive em exportação.

Nos jornais, a polêmica era quanto à estatização das empresas distribuidoras. Em casa, a polêmica era qual delas era a melhor. Uma oferecia, para cada dez sacos de açúcar, um achocolatado em pó feito com “açúcar natural”. Outra oferecia uma caixa dos mais novos cereais feitos com “açúcar natural”, ou, caso o cliente preferisse, uma embalagem contendo 50 saquinhos de adoçante. Outra oferecia, para cada dez sacos e mais 20 reais, uma bola de futebol. Outra não oferecia nada, mas tinha melhores preços. E outra iria sortear no final do ano uma viagem para Disney.

Não houve tempo para o sorteio. Faltando um mês para o fim do ano, o açúcar acabou. O Estado, ainda interessado em monopolizar a distribuição, precisou chamar especialistas para descobrir o motivo de a fonte ter secado: o consumo estava maior do que a produção. “E agora?”, perguntou o presidente. “Como podemos consertar isso?”. Não havia jeito. Era tarde demais. Não havia mais nem um grama de açúcar para se multiplicar. “E melhor ficar atento, senhor presidente, porque a água segue pelo mesmo caminho...”

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Lágrimas

Eu sou uma pessoa que chora.

Não uma pessoa manteiga derretida, que chora em filmes e novelas.

Choro com emoções mais internas. Como definir? Choro quando não consigo me expressar, quando não me deixam falar, quando fico estressada, quando acho que alguma coisa não vai dar certo, quando fico muito, mais muito brava.

Já chorei mais. Muito mais. Hoje sou mais controlada. Por “mais controlada” entenda-se que, em vez de chorar todos os dias, eu choro de quinze em quinze, ou até mesmo uma vez por mês.

Mas não estou aqui para escrever sobre isso. Estou aqui para tentar entender um fenômeno que acontece freqüentemente comigo e, pensando sobre ele, concluí que talvez a cauda do fenômeno seja exatamente essa diminuição de choros.

Acontece que, de uns dois anos para cá, eu lacrimejo. Todos os dias. E não são três ou quatro lágrimas. Não. Meu rosto fica todo molhado. É como se eu estivesse mesmo chorando. Posso estar pensando sobre qual é o meu programa preferido na televisão e começar a chorar.

No início, culpei o ar frio ou o vento. Mas depois percebi que lacrimejo mesmo quando não há ar frio ou vento.

Algo curioso é que só começo a lacrimejar se estou sozinha. Nunca com outra pessoa por perto. E aí, se encontro alguém depois, morro de vergonha e de raiva, porque essa pessoa vai achar que eu estou chorando, que estou triste, quando na verdade não estou. E daí? Bem... e daí que, para uma menina que passou parte da infância sendo criticada porque chorava, que já apostou com um colega que era capaz de ficar uma semana sem chorar e perdeu porque no derradeiro dia sua mãe soltou o cinto de segurança em sua cara na porta do colégio, para essa menina, não importa onde ou quem ou o motivo de suas lágrimas, é terrível chorar em público.

Uma das piores situações que já passei lacrimejando foi na faculdade: estava atrasada e descabelada, andando rápido pelo corredor que vai do elevador à sala de aula. E comecei a lacrimejar. Em um instante, já pingavam lágrimas de meu rosto. Pensando no professor e nos colegas que me veriam nesse estado, comecei a me enxugar desesperadamente com as mãos. No caminho, cruzei com pelo menos cinco conhecidos – bixos, veteranos e outros colegas atrasados – e fiquei ainda mais irritada e desesperada em fazer parecer que eu não estava chorando, sendo que, de fato, eu não estava. Como um colega começou a me acompanhar, lado a lado, achei melhor parar de enxugar o rosto, porque isso era praticamente entregar que eu estava disfarçando um choro. Nos dez segundos seguintes, entre o fim do corredor e a porta da sala, fiquei pensando se dizia ou não que eu não chorava, mas sim lacrimejava, devido a algum fenômeno bizarro que me assolava.

No fim, não disse nada. Entrei na sala com o rosto vermelho e molhado. E ainda por cima descabelada. Com uma expressão de raiva que tentava expressar alegria para disfarçar. Inútil. E tudo porque, há muitos anos e a muito custo, consegui me controlar para não chorar todos os dias.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O falso suicida

É fácil.

Uma perna por vez,
Os braços ajudam.
Os pés tocam a estreita mureta
Por trás, no parapeito, as mãos seguram com firmeza.

E quando o corpo estiver para fora da sacada
Quando o vento bater no rosto e despentear o cabelo
Quando a respiração acelerar
Quando o pulmão apertar
Quando o frio vier
Quando o ouvido doer
Quando der sinestesia
Aí chega a tontura.

Basta então tirar,
Ao mesmo tempo,
Os dois pés do chão.

Não é tão difícil.

E quando o corpo estiver para fora da sacada
Quando os olhos desistirem de alcançar o infinito do céu
Quando imagens vierem
Quando da família se lembrar
Quando o coração apertar
Quando pelos amigos quiser chorar
Quando um abraço desejar
Aí chega a consciência.

Leva o tempo de um susto
A briga da vaidade e do egoísmo
Contra a gentileza e a generosidade

É impossível.

E quando o corpo estiver para fora da sacada
Quando os olhos desistirem de alcançar o finito da terra
Quando cada pêlo do braço arrepiar
Quando os dedos dos pés contraírem
Quando os joelhos afrouxarem
Quando as mãos tencionarem
Quando as lágrimas embaçarem as retinas
Aí chega o medo.

Uma perna por vez,
Os braços ajudam.
Os pés tocam o firme chão da varanda
Pela frente, no parapeito, as mãos seguram com firmeza.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Doce Fonte

Foi às 9 horas do horário de verão que o caminhão de açúcar tombou na marginal.

Todo o carregamento vazou, e o asfalto cinza foi coberto por minúsculas partículas de açúcar refinado.

Mais ou menos ao meio dia, quando o sol usa toda a sua energia como se não houvesse amanhã, a massa criada pelas 40 doces toneladas ganhou vida e começou a se multiplicar magicamente. De 15 em 15 minutos, mais cinco quilômetros de avenida eram encobertos.

Não tardou para que a polícia isolasse o local, que aumentava em progressão geométrica. Os carros que trafegavam tiveram que parar onde estavam. Felizmente, nem motoristas nem passageiros pareciam estressados ou nervosos. Alguns deixaram lá o carro e tomaram um ônibus para o trabalho e, outros, ficaram por ali mesmo vendo o que iria acontecer.

Não houve acidentes, com exceção dos dois primeiros carros que vinham logo depois do caminhão e mergulharam diretamente no açúcar. Os motoristas dos automóveis – que vinha sem passageiros – não tiveram ferimentos. E a amargura de terem perdido o carro definitivamente desapareceu milésimos de segundos após o acidente.

A situação foi controlada rapidamente. Por sorte, todas as autoridades que ali chegaram estavam de bom-humor. Dialogavam com calma e simpatia para saber quais seriam os procedimentos corretos em tal situação. Não se tratava de como remover o açúcar, mas sim de o que fazer com ele. Afinal, nem todos os grãos haviam entrado em contato com o asfalto sujo e, se eles eram capazes de se multiplicar, talvez todo o abastecimento açucareiro do país pudesse vir de lá.

Nunca mais ninguém teria que pagar por açúcar. Bastaria que cada um se dirigisse à estrada e pegasse o seu.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Que Fernando Pessoa fale por mim

Liberdade

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

no post today

trabalhei domingo. estou de folga.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

70ºC

- Esquentou, né?

- E como!

- Metade da minha família já morreu nessa brincadeira.

- Até que eles resistiram bem. Quanto? 50?

- 65.

- Pô, mas 65 graus é pra caramba! E só metade! Da minha, só restou eu.

- Só você?

- É, mas eles não resistiram nem os 45. Já me consolei.

- Eu ainda to meio abatido... Faz pouco tempo... Quero saber até quando eu vou resistir.

- Olha, tenho pra mim que quem chegou aos 70 graus fica vivo. Assim espero.

- Eu não espero não. No fim das contas acho que ta na hora da gente ir embora mesmo. O homem.

- Acho que o homem não vai embora, não. Tem criança nascendo até.

- Nascendo e morrendo.

- Não, tem criança viva e sem aparelho. Saiu hoje no jornal, você não leu? É a evolução, meu amigo. O homem agora resiste bem ao calor. E dizem por aí que daqui uns anos nem de água precisaremos.

- Acho que prefiro morrer.

- Eu não! Com esse tanto de gente que morreu, da até pra tentar começar de novo. Eu penso como se isso fosse um dilúvio, sabe?

- Sei. E nós somos exemplos de boas pessoas? Por que resistimos ao calor? Ah, sim, claro...

- Pelo menos tem emprego pra todo o mundo.

- Preferia estar desempregado e ter minha família comigo.

- Acho que você ainda está muito abalado.

- Sim, estou. E com cada vez mais calor.

- Calor? Sabe que até já sinto um pouco de frio?

- Faz sentido.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Contas que não batem

Na 8a série, minha professora de história disse que deveríamos estaudar, por dia, quatro horas de sua matéria. Era uma professora muito boa, mas que não entendia nada de matemática. Lembro que na mesma ocasião somei as matérias e, se estudassemos 4 horas de cada coisa, não restava tempo nem para ir para a escola.

O estranho é que mesmo hoje eu sinto que tudo precisa de um estudo de 4 horas por dia. E eu tenho cada vez mais "tudo" para estudar.

"A título de exemplo", minha professora da Letras quer que eu faça, sozinha, um TCC em um mês, só porque eu mal saí da tortura de escrever um em um ano, e em grupo!

Enfim, meus ombros estão tensos, minha cabeça está a mil e eu mal durmo a noite. E logo logo nada passa porque, como eu disse, o tempo todo aparece mais uma coisa a ser estudada.

Só espero que valha a pena!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Herói moderno

O que torna, em São Paulo, uma pessoa qualquer em um herói:

- Ser assassinado

- Ser baleado

-Ser seqüestrado

- Levar uma surra

- Sofrer um acidente

- Dizer “Não fiz mais do que a minha obrigação” ao devolver uma carteira perdida.

- Dizer “Não fiz mais do que a minha obrigação” ao socorrer a vítima de um acidente

Não importa. Pode-se ter bom o mau coração. Ser honesto, ser desonesto. Ser egoísta, ser altruísta. Basta sofrer ou demonstrar suposta humildade. Ou, como diz uma pichação de muro: O herói é p cara quem não teve tempo de fugir.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Vontade de salvar vida

Apesar do calor de 30ºC, a piscina do prédio estava vazia pela manhã daquele sábado.

Sara aproveitou que já havia adiantado todo o dever de casa da segunda-feira – duas páginas de exercícios de enormes equações –, e foi para a piscina. Não sem antes convidar seu irmão mais novo.

- Biel, vamos na piscina comigo! Vem, agora!

Colocou a sunga no irmão de 4 anos, pôs biquíni, pegou bola, bóia e toalha, e desceu.

Biel queria brincar com a bola. Sara colocou nele as bóias de braço, já que as pequeninas pernas ainda não alcançavam o chão. A menina preferia tomar um pouco de sol ouvindo música, mas, como ela é quem tinha arrastado o irmão para o térreo, concordou em brincar um pouco.

Quinze minutos passados, rendeu-se:

- Biel, chega de bola. A Sara vai tomar um pouco de sol. Você pode brincar com a bola aqui fora se quiser, ta bom?

Enquanto tirava as bóias dos braços de Biel, pensou que talvez seria melhor deixá-las, caso o menino caísse na água. Mas lhe ocorreu: “Se ele cair, eu corro para socorrê-lo. Aí vou ser uma menina de 10 anos que já salvou uma vida. Legal isso. Vou ter salvado a vida do meu próprio irmão...”

E foi ouvindo música, sonhando na sensação de salvar uma vida. De aparecer em um programa de televisão... Até que a bola caiu na água.

Biel se aproximou da piscina para resgatá-la. Sara ficou de espreita, só observando a cena. Biel não alcançava a bola, Sara não dizia nada. Biel caiu na água.

Em menos de um segundo, Sara mergulhou na água para resgatar o irmão, que se encontrava a um centímetro da margem. Trouxe-o para cima e falou, como mãe:

- Você tem que tomar mais cuidado! Se eu não tivesse por perto, você poderia ter morrido.

Biel ouviu, e voltou a brincar com a bola.

Não houve programa de televisão nem nenhum reconhecimento, a não ser o da própria menina, que para sempre se sentiu feliz e orgulhosa por ter salvado a vida do irmão.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Quem eu era quando pequena

Nem todos os dentes eu tinha,
Mamãe me pôs para nadar.
Ia para água sem reclamar.
Conversava com o moço
Até a hora de ele me mergulhar
E quando me puxava de volta,
Com medo de que eu já estivesse sem ar
Sem perder tempo, voltava eu a falar.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Pérolas do 1o turno

Eleições 2008.

1º turno

7h30
- Senhora, por favor, aguarde aqui nesta sala. Não pode votar ainda, não começou.

- Mas é que eu sempre sou a primeira, quero ser a primeira.

- Tudo bem, senhora, a senhora será a primeira, mas ainda não. São 7h30, aguarde até as 8h, ok?

- Mas lá em cima já está cheio de gente.

- São pessoas que estão trabalhando. Aqui, por favor, sente-se.

11h (muita gente já votou, mas a sala está vazia)
- Olha, que legal! Vou ser a primeira a votar! Nunca fui a primeira a votar!

14h (ouvimos o som de prim duas vezes)
- Senhora
...
- Senhora, a votação já acabou, pode sair.

- Acabou já?

- Acabou. Já foram os dois barulhos, pode vir.

14h30

- Senhora
...
- Moça
...
- Moça, acabou, pode sair.
...
- Acabou, já foi, pode vir.

- Acabou? Mas eu só votei uma vez.

- Mas a máquina já apitou duas vezes, é porque você já votou duas vezes.

- Mas então está com problema.

- Não, você não ouviu dois barulhos? Um curto, quando vota pra vereador, e um mais comprido, quando vota pra prefeito.

- É vereador primeiro? Ixi, votei antes pra prefeito...

15h20

- Ai, esqueci o número do Kassab. Qual é?

- Desculpa, senhor, mas a gente não pode dizer.

- Mas qual é o problema?

- Não, é que a gente não pode dizer mesmo, mas se o senhor quiser perguntar pra qualquer pessoa da fila, ou ver lá fora...

- Mas sou eu que estou perguntando!

16h

- Oi, tudo bem com vocês? Então, o meu namorado já foi mesário e ele começou uma campanha de “Deixe o seu mesário feliz”. Então eu trouxe quatro bolinhos, vocês são em quatro, né? Olha, ta aqui.

--------------Faça parte você também da campanha “Deixe o seu mesário feliz”!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A ilustre visita do Governador

Naquele dia de verão, foi a vez de Pedro ser uma das oito pessoas que diariamente são assassinadas na cidade.

Foi a toa. Desse tipo de coisa que a gente nunca acha que nos pode acontecer. João estava no banco quando assaltantes invadiram o local e o fizeram refém. Ninguém achou mesmo que iriam matá-lo. Nem ele, nem sua família, nem a mídia, nem os policiais, nem a população. Mas mataram.

Ele não estava sozinho no momento de sua morte. Seu amigo José estava junto. Por algum motivo não divulgado, José também foi baleado. Talvez tenha reagido para salvar o amigo. A bala atingiu seu antebraço, que um dia depois, enquanto os médicos ainda tentavam salva a vida de Pedro, já estava intacto.

Com o assassinato na boca de toda a população, o governador achou melhor ir até o hospital prestar condolências ao amigo do morto. Achou-o deprimido e perguntou se podia fazer algo para ajudar.

- Gostaria de conhecer ao vivo a Daniela Cicarelli, respondeu José.

O pedido foi prontamente atendido. E eu ainda gostaria de saber como a Daniela Cicarelli diminuiria a dor de se perder um amigo. Mais: por que o amigo que teve um antebraço machucado merece a visita do governador e os amigos e familiares de todas as oito pessoas assassinadas por dia não merecem sequer uma carta de “Meus pêsames”?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Calor

Tem muito sol na piscina do clube A Hebraica de São Paulo. E muita gente com muita energia. Corre-se muito lá, apesar do calor que amolece o corpo.

Muita criança, muita mãe, muitas sacolas e mochilas e toalhas. Muitas cadeiras, mas menos do que adultos e crianças e mochilas e sacolas.

Nessas cadeiras, repousam alguns homens, algumas mulheres, meia criança e uma infinidade de mochilas e sacolas que em nenhum momento tocam o chão.

Nesse chão, feito de plataformas de madeira, pelando, forrado por toalhas, dezenas de pessoas que chegaram depois das sacolas e mochilas tomam sol desconfortavelmente. Livros, bóias, revistas, protetores solares, jornais e celulares preenchem os poucos cantos vazios que restam.

Os livros, revistas e jornais abertos abafam um pouco o barulho. São de quem tem os dedos manchados com tinta de impressora, sensível a suor com protetor solar. As mochilas e sacolas, privilegiadas sob os poucos guarda-sóis, não suam nem têm protetor solar. Aquele lugar lhes pertence. Ninguém as enfrenta.

Dez cartazes cobrem as grades da área da piscina. Dizem "Não guarde lugar", mas só são visíveis a quem está no chão. Para quem está nas cadeiras e sob os guarda-sóis, eles desaparecem, como num passe de mágica.

Por todo o lado, um barulho que não tem começo nem fim. Pertencente à piscina, está sempre lá, e sempre igual, desde 1986, o mesmo barulho de água, mãe e criança. Na mesma intensidade, no mesmo tom, no mesmo ritmo, no mesmo cheiro de cloro com protetor solar lotados.

A piscina da Hebraica não é uma piscina. É um emaranhado apertado de gente seleta. O ar quente condensa arrogância, mas não atinge quem, mesmo no chão quente, com dedos coloridos de tinta e melado por suor, consegue sentir, com a ajuda do barulho infinito, um delicioso cheiro de infância.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Garganta seca

A- Me traz uma copo de água

B- Não.

A- Não?

B- Não.

A- Por que?

B- Porque eu deveria te trazer?

A- Porque eu tenho sede.

B- Pois eu também tenho sede.

A- Está bem, então traga dois copos de água.

B- Não.

A- Por que?

B- Por que eu deveria trazer?

A- Porque nós dois temos sede. Então um copo vai para mim e outro vai para você.

B- Mas eu não quero um copo.

A- Não tem sede?

B- Tenho.

Pausa

A- E não quer água?

B- Não sei.

A- O que você quer?

B- Eu?

A- É, você.

B- Eu não quero nada.

A- Mas não tem sede?

B- Tenho. (pausa) E você?

A- Eu também. Por isso te mandei buscar o copo de água.

B- Pois eu não vou buscar.

A- Vai ficar com sede?

B- Você também.

A- Não se importa de ficar com sede?

B- Não sei.

A- Aposto que se importa.

B- Já volto.

A- Onde vai?

B- Buscar água.

A- Finalmente.

...

A- Ué?! Cadê minha água?

B- Sua água?

A- A água que você ia buscar.

B- Ia não: fui.

Pausa

A- A água que você foi buscar.

B- Ah.

A- E então?

B- Bebi.

A- Bebeu?

B- É.

A- Por que?

B- Porque eu tava com sede.

A- Mas eu também estou com sede!

B- É ruim, né?

A- O quê?

B- Ter sede.

A- É. Agora vai me buscar água.

B- Agora?

A- É?

B- Por que?

A- Porque ainda estou com sede.

B- Coitado.

A- A água!

B- Onde?

A- Na cozinha, oras!

B- O que tem?

A- Eu quero.

B- O quê?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Quando eu crescer, eu vou:

- Abrir um restaurante de sanduíches do tipo misto quente. Vai ter opção pra cada pessoa montar o seu próprio e cada um vai custar cerca de 3 reais. Esse lugar vai ser, ao mesmo tempo, uma sorveteria, com cara dos anos 50, mas não com cara de Fifties, porque vai ser pequeno e não barulhento. E não vão ter garçons. Eu é que vou servir, junto de algum sócio talvez.

- Abrir um pipocaria. Pipocas de todos os sabores possíveis e impossíveis. Para beber, vai ter raspadinha de Coca-Cola. Por que nunca mais vi raspadinha de Coca-Cola pra vender?

- Fazer um parque de diversões que você não precisa pagar a mais pra ir nos brinquedos que dão brinde. As pessoas vão poder escolher entre não pagar e não concorrer ao brinde, ou pagar e concorrer. Assim, nenhuma criança vai ficar triste porque não pode tentar acertar água na boca do palhaço.

- Abrir uma casa de cinema com duas salas para cada filme: a sala “pode atender celular, pode cochichar, pode fazer barulho de abrir bala”, e a sala “silêncio!!!”. Em ambas, só vai passar trailer de suspense ou terror quando o filme for de suspense ou terror.

Por enquanto, acho que é isso.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O grito

Foi em Viena, numa manhã de verão, onde ouvi um grito desesperador. Certamente, foi o mais agudo, o mais apavorante, o mais estridente que já havia escutado na vida real e ao vivo.

Eu tomava o meu café-da-manhã sozinha. Eram já oito horas da manhã, e todos deveriam estar no refeitório do hotel de piso forrado com carpete avermelhado com estampas. Mas estavam atrasados.

Em todo o caso, me servi de café, iogurte de morango, pão, cream chease, um pedaço de bolo e alguma fruta. Estava meio infeliz com a comida. O legal de café-da-manhã em hotel grande é a variedade de frutas maduras, as porções de pão de queijo e os croissants de chocolate. Mas eu não estava no Brasil, e sim em Viena. As frutas eram sem-graça, ninguém sequer conhecia um pão de queijo e... não sei exatamente porquê, mas também não havia nenhum croissant de chocolate.

Fui para uma mesa vazia. Antes de me sentar, dei uma boa olhada ao redor para ter certeza de que ninguém havia chegado e, sem ter me visto, ido se instalar em outro lugar. Não vi ninguém, tive raiva, fiquei com vontade de dormir mais, fiquei com vontade de sair logo e ir explorar a cidade sozinha, sentei, comecei a cortar um melão branco e duro.

E então o escutei. O barulho. Era muito alto, não vinha do refeitório. Deveria vir do hall. Logo em seguida, alguém gritou “Help!!!”. Como todos os outros hóspedes, fiquei com medo e curiosa. Mais curiosa do que com medo. Mas ao contrário da maioria, não tive coragem de ir ver o que acontecera.

É impossível descrever o grito. Era certamente de uma mulher. E de dor. Certamente era de dor. Como se alguém tivesse sido esfaqueado, ou tivesse um membro do corpo amputado. Imaginei que um desses lustres enormes, estilo O Fantasma da Ópera, tivesse caído sobre alguém, que gritou e morreu. O carpete, agora, estaria banhado em sangue. Vai saber se a cabeça não estaria separada do corpo! Não, isso era demais. Mas uma perna era bem capaz... Não pude ver. E as pessoas do refeitório que iam olhar não voltavam! Deviam ter desmaiado com o que viram.

Ninguém dizia nada, minha família não chegava, a comida era ruim, eu queria ir embora, alguém tinha morrido, havia sangue no carpete do hotel... E minha irmã chegou.

- Oi, a mamãe não chegou ainda?

- Não, só estou eu.

- Eles devem ter se atrasado.

- É.

- Que que tem de bom pra comer?

- Nada. O iogurte ta razoável.

- Vou me servir.

- O que aconteceu lá?

- Onde?

- Lá fora.

- Como assim?

- Lá fora, no hall. Ouvi um grito. O que aconteceu?

- Ah, nada. Uma mulher escorregou e caiu. Machucou o braço. Deve ter torcido...

- Nossa, mas precisava gritar daquele jeito?

- Não sei, ela já tava caída quando eu cheguei.

- Que horror!

- Horror? Mas foi só um braço torcido.

- To falando do grito.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um mundo ideal

Quis dar à postagem de número 100 um tom mais... musical!

Confesso que ela é quase uma bobagem. Uma brincadeira, vai.

Leia como se cantasse Um mundo ideal (A Whole New World), a música do Aladdin quando ele voa no tapete com a Jasmin.

Olha eu vou lhe mostrar
Como é belo esse mundo
Não tem trabalho ou estudo
E até dá pra descansar

Posso até namorar
Talvez também fazer compras
Os meus livros pra ler
São só os que eu quiser

Um mundo ideal
É um privilégio ter aqui
Ninguém pra nos dizer
Faça o tcc
Até parece um sonho

Um mundo ideal
Um mundo que eu nunca vi
E agora eu posso ver
e lhe dizer
Que nesse mundo novo eu vou dormir
(2ª voz: Que nesse mundo novo eu vou sorrir)

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Um desenho no rosto

Foi no primeiro dia em que um homem e uma mulher estiveram no planeta Terra.

Não sei se eram exatamente Eva e Adão, nem quem os colocou lá – se é que alguém o fez. Talvez já estivessem lá há tempos, mas no formato de crianças, e não de jovens. Sim, eram jovens.

O fato é que o dia estava muito quente, e essas duas pessoas banhavam-se em um riacho.

Então veio uma mosca e ficou rodeando a cabeça do homem. Ele ficou longos segundo tentando despistá-la, mas sem sucesso. Finalmente perdeu o equilíbrio e caio com o corpo todo no riacho, as pernas dançantes para cima.

E a mulher sentiu – não tenho certeza se pela primeira vez – seu rosto todo se contrair. Seus lábios forçavam-se um contra o outro e foram abrindo mais e mais, deixando pouco espaço para as bochechas que, por sua vez, foram ocupando o lugar dos olhos que por muito pouco não se fecharam.

Sem que ela pudesse conter, começou a emitir um som. Meio nasal, meio tosse. Seu nariz não parava de soltar ar em pequenos intervalos, sua barriga começou a doer de tantas contrações que realizara em tão pouco tempo.

Quando o homem retomou a si e viu a mulher em tal estado, também abriu seus lábios em forma de meia lua. Não teve tantas contrações e sons como a mulher, mas, sem que soubesse, era um sentimento igual ao dela, com menos intensidade, que tomava conta de seu espírito.

A partir desse dia, ambos começaram a inventar coisas que pudessem causar no outro e em si mesmos aquela estranha sensação, que hoje chamamos de felicidade. Foi a partir desse dia que o ser humano descobriu como é bom ouvir uma piada, ver uma palhaçada.

Não sei dizer com clareza, porém, qual foi o dia em que os ser humano se permitiu esquecer-se dessa delícia.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O Dia do Perdão

Enquanto “rezam” com um livro na mão, o que passa pela cabeça de algumas (muitas) pessoas em algumas (muitas) sinagogas de São Paulo, em Iom Kipur – o Dia do Perdão?

Na ala das mulheres:

- Nossa, coitada da filha da Dona Betty, como está envelhecida!

- Olha como esse rabino é bonito... Será que é casado? Deve ser...

- Meu deus, mas isso não acaba nunca? Que enrolação!

- Fala que podemos nos sentar! Fala que podemos nos sentar! Não devia ter vindo de salto!

- Nossa, mas cada ano as pessoas vêm mais mal vestidas, não? Nem salto mais usam!

- Ih, esse penteado não ficou bom nessa senhora da frente... Talvez se ela desse uma tingida nos fios brancos...

- Não gostei dessa decoração. No ano passado tava mais bonita.

- Ai que fome... Acaba logo pra eu poder comer! Preciso comer! O jejum inclusive já deve ter acabado a essa hora... O que será que vai ter na casa da minha sogra? Podia ter lasanha... Hum... Uma lasanha cairia tão bem...

Na ala dos homens:

- Por que eu ainda venho de gravata? Por que inventaram a gravata?

- Essas meninas do coral já foram mais bonitinhas...

- Olha, o Elias ta aí. Com que carro será que ele veio hoje?

- Como as filhas do Nelson tão bonitas... Meu filho podia ir conversar com elas.

- Que bom que comprei esse lugares logo aqui na frente. Olha só, estou num dos melhores lugares. Que bom! Isso é que é ser bem-sucedido! Nem todo mundo consegue um lugar tão na frente!

- Acho que essa minha calça já ta muito velha. Ta até meio rasgada...

- Será que o Gabriel ta tomando bomba? Ele não era tão forte assim...

- Ai que fome... Acaba logo pra eu poder comer! Preciso comer! O jejum inclusive já deve ter acabado a essa hora... O que será que vai ter na casa da minha sogra? Podia ter lasanha... Hum... Uma lasanha cairia tão bem...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Em São Luis do Maranhão

Em São Luis do Maranhão, lá na pracinha clara às 8 horas da noite, os pratos de 70 reais para duas pessoas são vendidos como água a um real para turistas suados, fatigados e fatigantes. É vendido também um barulho, que os garçons dos restaurantes chamam de Música Ao Vivo. Cada um da mesa deve pagar cerca de 7 reais, querendo ou não ouvir o barulho.

O lugar também funciona à tarde. Mas se algum turista cansar de almoçar mini pizza de 15 reais, pode perguntar a algum moço de roupas rasgadas – obviamente um maranhense – onde é que ele costuma comer.

Ele então te indicará um lugar escondido, ainda que bem próximo. Indo em frente por ali, depois do restaurante com música ao vivo – Qual? Aquele ali? – Não. Aquele um pouco mais vazio. Não aquele, nem aquele ali... O das cadeiras com capas azuis. Esse. Indo em frente por ali, vira-se a segunda à direita. Depois primeira à esquerda, segunda à esquerda. O lugar parece uma casa. Tem que ir perguntando onde servem comida.

Ok. Frente, direita, esquerda – Estamos certo? Ele falou alguma coisa sobre uma feira com urubus? – Não. Mas deve ser por aqui. – Espero que não seja. São muitos urubus.

Chegando à provável rua certa, deve-se observar bem cada construção. Uma casa de tijolos mal construídos pode na verdade ser um restaurante. O prato custa 5 reais. Vem frango ou carne, arroz, feijão, macarrão e salada. Com exceção do frango ou da carne, o resto dá para duas pessoas. A Coca de dois litros sai quatro reais, mas o dono te oferece, caso você nunca tenha provado, um copo de suco de murici. Acha pouco um copo? Acredite, você não vai querer beber mais do que um gole. Ou melhor: vai se arrepender de ter dado um gole. Melhor gastar os quatro reais na Coca.

O negócio com o bom moço leva ainda vantagem em relação aos restaurantes da mini pizza porque lá não tem barulho – nem pago e nem de graça. No lugar, o simpático homem que te fez beber a pior coisa da sua vida bate um papo com os clientes. De onde são, o que fazem, como é a vida... Nada muito profundo, mas tudo muito gostoso.

Está dado o recado: quando for a São Luis do Maranhão, não deixe de almoçar no restaurante próximo à feira com urubus. Mas é melhor perguntar a localização exata, porque eu dei aqui direções aleatórias. A comida é boa e barata. Limpa, eu não posso garantir. Mas não tive nenhum problema intestinal, eu garanto. Apenas lembre-se de não beber suco de murici.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Desculpa do dia: sou mesária

Direto ao ponto:

Estou criativamente esgotada. Ou preguiçosa. Não sei direito.

Então pensei em me dar o luxo de não escrever, com essa desculpa. Mas também pensei que ainda não estou na última semana antes de entregar o maior trabalho da minha vida, e deveria deixar esse dia luxuoso só para quando for essa semana.

Aí lembrei que domingo fui mesária, e que mesários ganham um dia de folga no trabalho. E como o blog não deixa de ser um trabalho, posso usar esse dia de folga.

E como haverá segundo turno, eu serei mesária novamente. Aí terei mais um dia de folga antes da entrega do trabalho.

Resolvido, então. Por hoje, abandono-os. O domingo foi triste, comprido e chato. A terça vai ter que ser melhor do que isso.

Até amanhã!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Neve no Reino da Morangolândia

Fazia sol no Reino da Morangolândia. Um sol gostoso. Suave, com sombra e água fresca.

As crianças-morangos brincavam de roda, enquanto os pais-morangos estavam deitados sob o sol para ganhar uma cor. Afinal, todos sabem que, quando se trata de um morango, quanto mais vermelhinho, melhor.

Então, como acontecia de tempos em tempos, a Grande Mão acolheu alguns e levou-os para serem banhados no Grande Rio Com Cachoeira.

Os escolhidos ficaram em estado de êxtase! Sempre quiseram ir banhar-se no Grande Rio Com Cachoeira. Era verdade que os que iam jamais voltavam. Mas e daí? A vida de um morango não é longa mesmo... Eles queriam mais era aproveitar e se jogar em tanta água.

E agora era a vez deles. Mergulharam e, então, foram levados para outro vale, bem pequeno, onde ficaram uns sobre os outros. De pé, cabeça para baixo, deitados, de cócoras...

De repente, sem mais nem menos, começou a nevar. Neve no Reino da Morangolândia! Isso nunca havia acontecido! E era uma neve tão docinha, mas tão docinha... até parecia açúcar. Os morangos começaram a sugar a neve, e só caía mais. Mais e mais, até que ficaram todos soterrados.

Sentiram então um estranho tremor, e um grito do Morango-Ligeirinho. Olharam para cima. Morango-Ligeirinho estava sendo levado para cima por um gigante prateado de quatro pernas, que nunca antes haviam visto. As pernas do gigante tinham perfurado o corpo do colega, que agora era dirigido à entrada de uma caverna escura, que se fechou tão logo ele entrou.

E, de um em um, todos os morangos foram perfurados pelo gigante e levados à caverna, que se abria e fechava a todo instante.

Ninguém nunca mais os viu, mas, até hoje, todos os morangos da Morangolândia esperam pelo dia de mergulhar no Grande Rio com Cachoeira.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Ela

- Como está o papai?

- Não sei o que te dizer. Até ontem estava como sempre, mal humorado, mas quieto. Essa manhã que acordou falante.

- Ué? Isso não é bom?

- Não sei... Ele só fala de uma moça. Deve ser uma namorada de infância, dos tempos do sítio. Diz que precisa dela, que não aguenta mais a vida sem ela. “Ela, ela, ela”, é só o que diz. Nem quis andar com o Heitor no Parque do Ibirapuera. Ele nunca recusa dar uma volta no parque.

- Mas ele também nunca gostou de andar neste calor. Depois do almoço vou para o clube. Quem sabe ele não gosta da idéia de dar um mergulho na piscina? Agora tem até uma aquecida.

- É...

Fazia 27º em São Paulo. Seu Luís, que tinha lá seus 80 e poucos anos, assistia, da janela de um prédio no Itaim, onde morava, seu neto Heitor chegar da caminhada. A solidão do rapaz apertou seu coração. Mas estava muito quente para sair na rua, e, afinal, desde que se mudara para o apartamento de Julia, sua filha mais velha, nunca recusou um convite do neto para passear.

Neste momento, ao meio-dia, Izabel, sua caçula, chegara para o almoço. Como sabia que as meninas não perdiam uma só oportunidade para discutir sua saúde física e mental, deixou-as conversando a sós na sala por um tempo, fingindo não ter escutado a campainha. Até que ouviu o chamado de Julia, e foi juntar-se à família.

Foi, mas com relutância. Estava cansado dos esforços das filhas para tirá-lo de casa. “É importante tomar ar fresco, papai”, diria Izabel. “O dia está tão lindo, e o médico disse que você precisa andar todos os dias”, diria Julia. E, em uníssono: “Vamos, papai!”

De fato, Seu Luís precisava de ar fresco. Mas hoje em dia, pensava, não se acha essa preciosidade em qualquer lugar. Lá sim. Lá onde estava ela... Ah, se pudesse ir ao seu encontro... Aí estaria completo. Aí inspiraria profunda e tranquilamente. Caminharia por horas, sem reclamar.

- Papai! – gritou Julia – o Heitor já chegou!

- Pronto, estou aqui. Fiz falta, Heitor?

- Que pergunta, vô!

- Não responde porque não fiz. Mas tudo bem. Sei que, para um jovem como você, caminhar na minha velocidade exige muita paciência e concentração.

- Vê, Bel? Responde assim para tudo. É um grosso! Para quê ser sarcático com o Heitor, papai? Ele quer o seu bem.

- Mas estou sendo sincero, Julia! Sarcástico... Acho que vocês não estão acostumados a ouvir palavras gentis ou bonitas. Acham sempre que o outro está ofendendo, querendo brigar. Talvez se vocês a conhecessem, se passassem um tempo com ela, seria diferente.

- Ela, ela... Tá bom, com ela seria diferente. Mas ela não existe mais, pelo visto. Então chega, papai.

- Não existe? Mas ontem mesmo ela saiu no jornal, numa matéria sobre reservas florestais.

- Como?

- To falando da cachoeira do sítio, onde nasci. Passei por momentos tão bons nela. Ficava bem no meio de um bosque, sabem? A gente fazia um pique-nique e depois se jogava nela. Aquilo sim era um parque. Aquilo sim era água de verdade, sem cloro! Ah, minha cachoeira, que saudades que tenho de você.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Um vestido e o mundo

(adaptação de piada do livro Fim de Partida, de Samuel Beckett)

É ainda julho quando uma jovem senhora se dá conta de que não possui em seu armário nenhum belo vestido para o Natal.

Ela então vai a uma costureira e encomenda um modelo razoavelmente simples, ao mesmo tempo que belo.

A costureira pede para que ela volte em um mês, para fazer a primeira prova.

Um mês depois, a senhora é apresentada para uma peça bastante bonita. Mas:

- Errei no zíper. Volte daqui uma semana e estará tudo ajustado perfeitamente.

“Errar com algo tão simples?”, pensa a senhora. Mas tudo bem, acontece.

Uma semana depois, a costureira volta a se desculpar. Agora, havia ajustado mal o decote. As rendas do dos lados estavam desiguais. Pediu então para que a senhora voltasse dentro de duas semanas, que o vestido estaria “um brinco!”

Puxa, mais duas semanas? Mas o que se vai fazer? E está mesmo bonito o vestido, vamos dar essa chance.

Passam duas semanas e a senhora encontra a costureira apressada:

- Já estou terminando, já estou terminando – diz. – É que achei melhor fazer um último ajuste na alças, mas se a senhora me der mais dez minutinhos...

Então, a senhora enfureceu-se, e disse:

- Minha cara: Deus fez o mundo em uma semana e você, em quase dois meses, não foi capaz de fazer apenas um vestido???

E a costureira respondeu, em tom de súplica:

- Mas senhora, repare bem: olhe para o mundo, e olhe para o seu vestido.

A senhora só pôde suspirar, sorrir, e concordar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Que Tuiávii fale por mim

Tuiávii era o chefe de uma tribo indígena chamada Tiavéa. Ele esteve na Europa durante algum período da primeira metade do século XX – acredito eu - observando os costumes do homem branco, ou, como ele se refere, do “Papalagui”.

Com base nas observações, Tuiávii escreveu relatos destinados apenas à sua tribo, mas um contemporâneo seu, Erich Scheurmann, organizou-os em um livro, chamado O Papalagui.

Tive a felicidade de receber aulas de antropologia com um tremendo professor, que me apresentou a esse livro há uns três anos. Lembrei do livro recentemente e fui relê-lo. Gostei ainda mais do que já tinha gostado. Impressionei-me mais do que já havia me impressionado.

Sei que não vou resistir, e farei uma série de bons trechos d’O Papalagui aqui no blog.

Por hoje, contentem-se com este:

“É difícil dizer o que é profissão, mas todo Papalagui tem uma. É uma coisa que se deve ter muita alegria ao fazer, mas raramente isso acontece. Ter uma profissão significa fazer sempre a mesma coisa, e tantas vezes que se consegue fazê-la de olhos fechados e sem esforço algum. (...) Todo homem branco precisa ter uma profissão. (...)

Mas se o Papalagui, mais tarde, chega a perceber que prefere construir cabanas a tecer esteiras, dizem: “Ele errou de profissão” (...) Isso é uma coisa muito séria porque é contra a moral adotar, simplesmente, outra profissão. O Papalagui decente corre o risco de perder sua honra se disser: “Não posso fazer isto, não tenho nenhum prazer”. (...)

Não há, a bem dizer, coisa alguma que um homem seja capaz de fazer que o Papalagui não transforme em profissão. (...)

Ter profissão quer dizer: saber apenas correr ou apenas provar ou apenas cheirar ou apenas lutar, em todos os casos, saber apenas uma coisa. Esse só-saber-fazer-uma-coisa é uma grande fraqueza e um grande perigo porque qualquer um pode se ver, um dia, obrigado a remar numa canoa pela lagoa.(...)

Existem brancos que já não podem correr pois criam muita gordura no ventre, como os puaas [porco] porque têm de estar sempre parados, obrigados pela profissão; já não podem levantar e lançar um dardo pois suas mãos estão muito habituadas a segurar o osso que lhes serve para escrever e eles estão sempre sentados à sombra, só escrevendo tussi; não são capazes de dominar um cavalo selvagem porque estão sempre ocupados em olhar para as estrelas ou inventar idéias. (...)

É daí que vem a miséria do Papalagui. É agradável ir buscar água no riacho uma vez, até várias vezes por dia; mas quem tiver de ir buscá-la de manhã à noite, todos os dias, em todos os momentos, enquanto tiver forças, e isso sem cessar, afinal há de enfurecer-se, há de querer romper as correntes que o prendem, pois não há coisa que pese tanto ao homem quanto fazer sempre a mesma coisa (...)

Todos estão sempre comparando as suas profissões cheios de inveja e má-vontade; fala-se em profissões elevadas e baixas, embora todas sejam apenas atividades parciais(...) Mão, pé, cabeça são feitos para formarem um todo. Se todos os membros e sentidos trabalham juntos, o coração se alegrará, sadio; não acontecerá isso quando só uma parte tem vida e as outras estão mortas. Daí vem a confusão, o desespero, a doença. (...)

Mas o Papalagui nunca conseguiu nos fazer compreender por que havemos de trabalhar mais do que Deus exige para que possamos comer à vontade, cobrir a cabeça com um teto, nos divertimos com as festas da aldeia. (...) O Papalagui suspira quando fala no seu trabalho, como se uma carga o sufocasse; mas é cantando que os jovens samoanos vão para os campos de taro; cantando, as moças lavam as tangas na correnteza do riacho. O Grande Espírito não quer, certamente, que fiquemos cinzentos por causa das profissões, nem que nos arrastemos feito as tartarugas e os pequenos animais rasteiros da lagoa. Ele deseja que continuemos orgulhosos e tesos em tudo quanto fazemos; que não percamos a alegria de nossos olhos nem a agilidade dos nossos membros.”

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Ana volta ao médico

- Pois é, doutor, não gostei da tal ginástica.

- Mas você foi a quantas aulas?

- Uma. Foi o suficiente.

- E eu posso saber por que você não gostou? Você está me parecendo um pouco tensa. Eu até arriscaria dizer revoltada. Aconteceu alguma coisa?

- Não, não aconteceu nada não. É só que... Era uma aula muito parada, sabe? Estou acostumada com um dinamismo maior, com uma exigência maior.

- Você achou fácil a aula?

- Muito.

- Estranho. Sabe que, de todas as pacientes que eu indico para essa ginástica – e olha que são muitas – você foi a única que achou a aula fácil. A maioria inclusive se surpreende com a dificuldade que encontram. Você não quer tentar mais uma aula.

- Não. Deus me livre.

- Ok, ok. Está bem. Então sugiro fisioterapia. É mais caro e, penso eu, mais chato. Mas se você achou a ginástica tão insuportavelmente chata... É o que nos resta.

- Tem dança na fisioterapia?

- Acredito que não.

- Ótimo. Adorei. Obrigada, doutor.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ana na aula de ginástica

- Oi, qual é o seu nome?

- Ana.

- Você tem algum problema postural, alguma dor...?

- É, o médico falou... Lordose cervical e lombar.

- Trabalha muito?

- Bastante. A aula não costuma atrasar muito, né?

- Não, no máximo 10 minutos.

- Ai meu deus!

- Mas também se precisar você pode sair mais cedo, não tem problema. Bom, a gente vai começar agora com um aquecimento com música. Tem uma coreografia nova toda semana, mas não se preocupe porque com o tempo você pega o jeito. Você vai ver como a maioria já pegou o jeito. (A todos) Vamos começar?

A coreografia essa semana é um pouco mais acelerada. Ana, melhor você ficar atrás, para ir copiando das outras. Então, abre, atrás, abriu, juntou. Abre juntou, abre juntou. Esquerda. Abre, atrás, abriu juntou. Abre juntou, abre juntou. Isso Ana, só que você vai passar a perna por trás e não pela frente, assim ó.

Aí, contratempo com a direita, contratempo com a esquerda, e vamos girar pro lado esquerdo.

- (em pensamento) Vai, Ana, você é uma alta executiva! Consegue dar uns passinhos de dança. Ai, não, ta tudo errado. Como essa baixinha e gordinha na minha frente faz isso melhor que eu? Agora é pra direita, vai! Pra esquerda? Mas não era...? Onde estou? Abre, atrás, abriu... Meu deus, mas é muito rápido isso. E tinha que ter esse espelho na frente, to parecendo uma louca e ta todo o mundo me vendo. Aposto que a gordinha ta se divertindo comigo. Chega. Essa foi a primeira e última aula.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ana no médico

- Então, Dona Ana, eu dei uma olhada nas suas radiografias e a senhora está com lordose cervical e lombar.

- Isso significa...

- São desvios posturais. É normal em pessoas que trabalham muito tempo sentadas, ou que passam por muita tensão.

- É... faz sentido, doutor. Mas e agora?

- O ideal seria a senhora pegar mais leve no trabalho.

- Ah, bem que eu gostaria, mas é impossível. Cheguei até onde estou, trabalhando desse jeito, e não pretendo abandonar meu posto, muito menos perder o respeito que tenho.

- É, eu imaginei. Bom, minha outra recomendação é que a senhora faça ginástica.

- Mas vou à academia três vezes por semana.

- É, não esse tipo de ginástica. É uma diferenciada. Uma espécie de RPG. Trabalha a postura, a coordenação motora... é bem interessante e certamente lhe fará bem. Está aqui o cartão. Faça uma aula e veja o que acha. Vamos nos falando, ok?

- Está certo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Ana no trabalho

- Boa tarde, Dona Ana.

- Boa tarde.

- Como vai, Dona Ana?

- Bem, e você?

- Muito bem?

- Aceita um café, Dona Ana?

- Por favor, Victória.

- Boa tarde, Dona Ana. Aqui estão os papéis que a senhora pediu. E o Dr. Alan ligou perguntando se pode confirmar a consulta de hoje.

- Para que horas mesmo?

- 14h

- Pode confirmar sim, obrigada Telma.

- Eu é que agradeço, senhora.

(continua)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Uma valsa

Estava tão cansado. O ônibus chacoalhava tanto. Queria estar sentado. Dormiria. Ou talvez não: teria medo de perder o ponto.

Suas pernas não agüentavam mais o peso leve do corpo. Os joelhos estavam profundamente flexionados e os olhos, se estivessem abertos, enxergariam o próprio quadril, tal era a angulação da nuca.

Apenas um braço em contato com a haste deixara de ser o suficiente para garantir a permanência minimamente ereta do corpo. Agora, mão direita e esquerda agarravam uma das poucas barras verticais e, ainda assim, a cada freada do motorista, seu tronco era lançado com ferocidade para a direita.

O pescoço começou a doer. Apoiou então também a cabeça na haste, pouco abaixo das mãos. A boca aberta, a bochecha colada àquela estrutura que tantas mãos, limpas, sujas e imundas, seguram diariamente.

Se ele não ligava? Não sei se chegou sequer a perceber que quase a beijava. Que a abraçava como se fosse uma amante. Que a guiava como se fosse a melhor parceira de dança que já tivera, valsando ao ritmo das partidas e freadas.

De repente, aquele já não era o único par de dançarinos do salão ambulante. O corredor estava tomado por homens e mulheres, jovens e velhos, que, agarrados às armações verde amareladas, ou amarela esverdeadas, quando não cinzentas, mexiam o quadril para um lado e para o outro, retomando o equilíbrio com um pisar duro e preciso.

Quanto a mim, não me sobrou lugar para segurar. Fui a juíza do concurso, examinando atentamente cada dupla, desequilibrando-me constrangedoramente hora sobre dançarinos à esquerda, hora sobre dançarinos à direita.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Trauma solucionado

Desde pequena, tenho aversão a dois alimentos: ovo e maionese. Ovo menos – se minha sobrevivência dependesse de comer um ovo, eu comeria. Quanto à maionese... já não tenho tanta certeza.

Foi engraçado como o tempo foi passando e a aversão à maionese só aumentava. Cheguei a experimentar ovo cozido – que não chegou a ser engolido – e mexido – não é tão mal assim. Mas, se quando pequena eu adorava comer patê de atum, gosto adquirido antes da aversão, na adolescência passei a só comer depois de esquentar, porque assim a maionese “desaparecia” um pouco. Hoje não como mesmo.

Se caía um pouco do negócio na minha mão, lavava com água corrente, sem esfregar uma mão na outra para não comprometer a limpa. Sim, chegava a esse ponto.

Minha mãe já quis que eu conversasse sobre isso na terapia. Mas meu pai achava que era só frescura. Mesmo assim, não me obrigaram a experimentar, mesmo porque, era como eu dizia: Maionese não faz bem pra saúde. É até bom ter aversão.

Depois de um tempo, descobri que não era só a maionese em si que me dava nojo, mas uma série de produtos de consistência parecida, como requeijão, iogurte e patê a base de ricota. Fiquei um bom tempo da minha vida sem coragem de comer essas coisas, mas hoje não tenho muito problema com isso – basta me certificar de que não há maionese na composição. Só o iogurte natural que até hoje não consegui experimentar – a semelhança é muito grande!

Buscando uma teoria para explicar a bizarrisse da filha, minha mãe lembrou de como, quando eu era bem pequena mesma, eu tinha nojo de bebês, porque eles regurgitavam. Achei até que fazia sentido, mas recentemente achei uma explicação bem melhor: foi um filme de terror que assisti bem pequena, na Sessão da Tarde, chamado A Coisa.

A Coisa tratava sobre uma substância branca e gosmenta que todos achavam deliciosa, mas que, não só era viva, como matava quem a ingeria. E lembro particularmente de uma cena em que as pessoas a ingeriam como se fosse iogurte. Pronto, só pode ser isso.

Lógico que não há certeza nenhuma, mas, depois de lembrar do filme, acho até que comeria maionese se minha sobrevivência dependesse disso...

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sem reporter

O fechamento de agosto foi tão corrido e estressante que, no dia seguinte, ninguém foi trabalhar. O diretor de redação, que apareceu lá pelas quatro da tarde para buscar uma jaqueta esquecida, não se preocupou. Para uma revista mensal, o primeiro dia não é lá assim tão importante.

Ele só foi se preocupar mesmo quando voltou à editora uma semana depois e não encontrou ninguém. “Estão todos na rua?”, pensou, enquanto se dirigia à sua semi-sala. Assustou-se quando viu sua mesa coberta por post its. Todos avisando que no tal dia tal repórter não poderia trabalhar pois estava doente.

“Quem colocou esses papeis sobre minha mesa?” Gritou para o pessoal das outras publicações. A secretária da revista ao lado se manifestou: “Fui eu. O telefone não parava de tocar e tava incomodando o pessoal. Então tomei a liberdade de atender e passar os recados. Achei que o senhor fosse encontrá-los logo no primeiro dia – não imaginei que fosse se ausentar por uma semana. Achei prudente não incomodá-lo”. “Mas até meu estagiário?” “Foi inclusive o que me pareceu mais debilitado.”

Ainda antes de se entregar ao completo nervosismo, ligou de um em um para saber qual era o estado do ser. E era mal. Gripe, febre, tosse, falta de ar, vômitos. Ninguém poderia ir para o trabalho tão cedo.

O senhor diretor, então, pôs- se a ligar para todos os free-lancers que conhecia. Mas todos estavam já muito ocupados para receber trabalho de última hora. Lembrou de colegas da faculdade, de amigos desempregados, de familiares vagabundos. Nada. Ninguém queria ajudá-lo, com exceção de três que estavam de cama com rubéola.

Foi então que ele relaxou e riu. Era sonho. Não podia ser outra coisa se não um sonho. Todos doentes? Por tanto tempo assim? Sonho, pesadelo. Não era real.

Foi para casa pensando assim. Cochilou. Ouviu a porta abrir. Em seguida, sua mulher chamar seu nome. “Que bom que chegou. Eu to sonhando?” “Não, com certeza não”, respondeu rindo. Ele ligou novamente à redação q e quem atendeu foi a secretária da revista do lado. “Não ninguém chegou não.”

Sucedeu-se então aquela série de pensamentos que todo jornalista já imaginou que terá algum dia. “Minha revista não vai fechar. A culpa não é minha. Mas vão me culpar. O que eu faço? Não é minha culpa. Quem vai acredita em mim? Vou ser mandado embora. To arruinado.”

Muito pelo contrário, a edição daquele mês foi um sucesso de vendas. Cem mil exemplares vendidos. 35 mil vendidos em banca. A capa “Edição especial: retrospectiva – As matérias mais comentadas do ano, com os comentários do Diretor.” Trouxe uma mensagem importante à empresa jornalista da época: jornalista pode ficar doente.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Descanso

Não há trabalho perfeito
Todos possuem um defeito
Mas pra melhorar sei de um jeito
Estou falando de um leito
Onde, por uma hora, eu me deito
Tem travesseiro, televisão e livre tempo
Todos deveriam ter este direito

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Longo caminho até o 12o andar

Vinte-e-um. Alguém me explica por que raios este elevador sempre tem que estar no 21? Ai, quero chegar logo em casa. Acho que vou dar um dormidinha antes do almoço. Mas acho que antes vou pega alguma coisa pra comer... um pedaço de pão... ou um chocolate. Não, pão, quero salgado. Hum... será que ainda tem um pedaço do bolo? Se bem que uma pringles cairia bem... Então pego uma pringles. Mas melhor ir no banheiro antes. Ai, que vontade de ir no banheiro. Que sono. Que fome. Ah, até que enfim. Também agora espero que vá direto, sem parar em nenhum andar. Droga.

- Boa tarde.

- Boa tarde.

Aperta um andar depois do 12º, depois do 12º! Ué? Não vai apertar nenhum andar? Mas... mas... é que... o 12º é o meu andar. E a essa hora não tem ninguém em casa. Como deixaram alguém subir se ninguém pode ter atendido o interfone? Será que é a mulher que vai tingir o cabelo da minha mãe, que chegou mais cedo? E eu vou ter que fazer sala pra ela? Eu quero ir no banheiro antes! E comer! Não tem tanta pringles assim, não dá pra oferecer! E aposto que ela vai aceitar o último pedaço de bolo. Mas ela não tem cara de cabeleireira. Será que aconteceu alguma coisa e meus pais tão em casa? Ai meu deus... Ta chegando... Que que eu faço? Vou abrir a porta eu. Ué, mas ela nem vai se mexer, o que ta esperando?

- É... Tchau.

- Tchau. Ah, olha só, esqueci de apertar meu andar!

- Ah, eu também faço isso direto hehe

Ai, graças a deus!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele VIII (final)

Não queria magoá-la, mas queria menos ainda continuar casado. Durante o mês seguinte, fui um péssimo marido. Chegava em casa, ligava a televisão, perguntava o que tinha de jantar e ia dormir. Não dava bom-dia nem boa-noite. Tratei-a, enfim, como se fosse uma moça qualquer que freqüentasse minha casa.

Então uma noite tomei coragem e disse que queria conversar.

- Pode ser... – disse com um delicado sorriso no rosto - Mas não aqui em casa. Vamos dar uma volta, o céu está tão bonito.

Insisti para ficarmos, mas ela tanto teimou que acabei concordando.

Não havia muito movimento na rua. Apenas um ou outro carro passava de tempo em tempo. Enquanto circulávamos o quarteirão, comecei a dizer o quanto ela era especial para mim, e como seria difícil falar o que ela precisava saber:

- Não te amo mais.

Ela ficou calada. E ainda com o sorriso impresso em sua face. Continuou andando sem dizer uma palavra, um murmúrio sequer.

- Gi, fala alguma coisa.

Então ela segurou uma tábua de madeira que estava jogada no chão é me bateu. Centenas de vezes. Caí inconsciente e acordei no hospital, ela chorando sobre os meus pés, sendo abraçada pelos pais. Eu gritei para que ela saísse e me deixasse em paz. Disse ao bom casal que sua filha era uma assassina. E Gisele disse:

- Ah, não. Você também, não... Não fui eu, meu amor, foram os bandidos...

Foi quando o médico explicou a todos os presentes que por causa das batidas, eu podia ter sofrido algum problema de memória. Todos disseram já ter presenciado algo parecido, e me censuraram por continuar insistindo na culpa de Gisele. Finalmente, acharam melhor me internar aqui na clínica. Cá estou. E você? Você também parece bastante são para estar aqui.

- Pois é, meu caro. E acredito em cada detalhe de sua história. Sou o falecido marido de Gisele, ou melhor, um amigo de Gisele. A louca queria casar comigo, eu não aceitei, ela me encheu de pauladas. De resto, tudo aconteceu exatamente como com você, com uma diferença: algumas pessoas chegaram a acreditar em mim, e foram investigar a história. Mas a doida conseguiu provar, com falsas testemunhas, que era inocente. Agora senta aí porque, a partir do momento que diagnosticaram em você problemas mentais, nunca te acharão 100% são.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele VII

Admito ter sido difícil, principalmente no início da vida conjugal, manter a postura romântica dos tempos do cortejo. Se Gisele não era repulsiva, também não me atraía em absoluto. Dia após dia, porém, eu vestia a máscara e olhava para ela como se fosse o meu maior tesouro. Ao mesmo tempo, tramava comigo mesmo qual seria a melhor maneira de chegar ao assunto crime. A ocasião perfeita não tardou a chegar.

Após um dia frio e chuvoso de muito trânsito, Gisele esqueceu a lasanha no forno, que queimou. Pôs-se a chorar compulsivamente, e lá fui eu consolá-la:

- Gigi, você não está chorando só por causa da lasanha. Sei que tem algo mais te deixando chateada, e já não é de hoje. Pode contar comigo. Se abre. O que te deixa sempre tão abatida?

- Não... é isso mesmo... Era o seu jantar. E eu arruinei tudo. Não quero te perder. Não posso te perder.

- Me perder? Mas e só uma lasanha, por que você me perderia?

- Você não entende...

- Não, não entendo. Então me explique, por favor.

- Além de você, só amei uma pessoa em toda a minha vida. E ela se foi...

- Te abandonou?

Ela baixou os olhos. Fez que não. Disse pra deixar para lá.

- Gi, fala pra mim, acho que vai te fazer bem desabafar. O que houve com ele?

- Foi assassinado. Uns bandidos. Bateram nele. E fugiram. Fiquei sozinha, e então a polícia chegou, e acharam que fui eu. E todo o mundo achou que fui eu. Não entendiam. Eu o amava. Não fui eu, não fui. É verdade. Mas não acreditavam, ninguém acreditava. A gente ia ter um filho, sabia? Estávamos com os papeis da adoção. Ia se chamar João, como o pai. João...

Ah, então estava tudo explicado. Acusada de um crime que não havia cometido. Pobre Gisele. Por isso tanto cuidado, tanto tormento... Na hora errada, no lugar errado.

Já era hora de pedir o divórcio.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele VI

Minha vida era saber o crime de Gisele. Não me importava com mais nada além disso. Por isso me casei com a moça, quinze anos mais nova do que eu.

O raciocínio era simples: todos na família de Gisele pareciam saber a história. Então, para que eu também soubesse, bastava ser um deles. Bastava me casar com ela.

Há dois anos comecei a cortejá-la. De início, ela não pareceu me levar a sério. Dizia que que não era nem bonita e nem doce, mas sim sombria e estranha. Ligava para ela quase diariamente, sempre a elogiando, convidando-a a sair. Gisele nunca aceitava, mas percebi que as conversas ao telefone tornavam-se mais longas a cada dia.

Entendi isso como um progresso, e finalmente, no seu aniversário, escrevi uma carta, acompanhada de flores, chocolates e um livro do patinho feio. Sabia já seu ponto fraco.

“Gisele,

Não agüento mais essa angústia pela qual você me faz passar. Te amo, e sei que sou correspondido. Então por que não me aceita?

Não acredita no meu amor, é isso? É por causa disso que estou te dando este livro. Para que você acredite que ser diferente das outras mulheres não significa ser estranha, mas sim ter outra beleza. E é essa mesma beleza que fez com que eu me apaixonasse por você, não parasse de pensar em você nem mesmo por um segundo (...)

Por favor, me aceite. Estou com passagens compradas para a África. É para lá que vou se você não me quiser”.

No mesmo dia, já de madrugada, ela foi à minha casa. Recebi-a com um beijo carinhoso, mas fui surpreendido por uma Gisele intensa que, em menos de um minuto, já se encontrava deitada sobre minha cama. Dois meses depois, nos casamos.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele V

Não queria dar bandeira. Achei prudente, após saber a senha secreta, esperar duas semanas para usá-la. Para quem já havia esperado dez anos, o que eram duas semanas?

Catorze dias depois, mal consegui dormir. Também não consegui comer, fazer a barba, ver meus e-mails...

Assim que cheguei ao trabalho, no horário normal – mais cedo chamaria a atenção – dei o login no arquivo de secretos. Em pesquisar, escrevi “Gisele Souza”. Nada encontrado. Tentei pelo outro sobrenome, e escrevi “Gisele Faria”. Também nada. Por mais de três horas, tudo o que eu fiz no trabalho foi escrever na busca de documentos palavras que poderiam me levar ao caso. Nada.

A depressão tomou conta de mim por cerca de um mês. Depois de tudo isso eu teria que desistir? Não podia, não ia agüentar.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele IV

Minha vida passou a ter um único objetivo: descobrir o Caso Gisele. Estava impotente, porém. Não havia mais uma alma com quem eu pudesse falar. Gisele nunca sabia nada. Nem ela, nem seus pais.

Foi então que resolvi me tornar PM. Entrei para a Escola Militar. Obviamente, muitos me acharam louco. Afinal, eu já era um médico relativamente bem-sucedido. Mas enfrentei-os. Às milhares de perguntas sobre o por quê da minha “maluquice”, respondia ora “não sei”, ora “não convêm lhe dizer”.

E, assim, após dez anos eu já possuía a altoridade de que precisava para ter acesso aos arquivos mais sigilosos sobre crimes ocorridos no Brasil. Tratava-se, na verdade, de uma senha. ARQUIVOSCONFIDENCIAIS.

Como eu não pensara nisso antes?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele III

Minha curiosidade era tanta para descobrir se Gisele estava mesmo envolvida com algum crime, que cheguei a perder o sono por umas cinco noites, não seguidas, mas intercaladas.

Dei um google em seu nome, perguntei aos meus pais e irmãos se eles sabiam de algo, mas nada. Pensei até em ir à polícia, mas fiquei com medo de que eu acabasse como suspeito de uma história pela qual eu não tinha nada a ver - apenas uma curiosidade quase mortal.

Após um mês com a dúvida angustiante, resolvi ser cara de pau, e ir perguntar aos parentes mais próximos de Gisele se eles não sabiam de nada. Que perda de tempo! Quanta tortura.

- Quê? Envolvida em um crime? Quem te contou isso, Alberto? E acho bom você me falar pois já faz tempo que eu to desconfiada de certas pessoas, que não sabem mais o que pacto do silêncio significa.

Foi a avó de Gisele quem confirmou minhas suspeitas, sem, porém me tranqüilizar. Pelo contrário, fiquei ainda mais aflito. E quando a perguntei sobre qual teria sido o crime, ela respondeu "Olha, se não te passaram a informação completa, não é de mim que você vai conseguir." Agora descobrir os fatos já era uma quesão ainda maior. Extrapolava a curiosidade. E a honra. Durante vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, eu só queria saber:

- Gisele, cara Gisele: o que fizestes tu?

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele II

Esse era apenas um dos muitos hábitos incomuns que havia adquirido nos últimos anos.

Gisele também carregava sempre um gravador consigo. E uma agenda. Todos os seus passos – todos mesmo – estavam registrados na agenda. Até mesmo “almocei”. Assim, para não perder muito tempo anotando o que iria fazer no próximo segundo, definiu horários rígidos para tarefas cotidianas. Acordava, escovava os dentes, tomava banho, lavava as mãos, ia ao banheiro... sempre no mesmo minuto do dia. E a tarefa também possuía sempre a mesma duração. Em caso de eventualidades – como no dia da festa – ela fazia um apêndice àquela página determinada da agenda, e tudo tinha que ser anotado em um novo horário. “Nunca se sabe o que nos pode acontecer”, disse uma vez. É, eu também não entendi o que uma coisa tinha a ver com outra. Mas quando elaborei melhor a minha dúvida, ela respondeu o incansável “Não sei”, ainda que não houvesse ninguém na conversa além de mim.

Sua mãe e seu pai, dois senhores jovens muito simpáticos e bem-apessoados, não apresentavam nada de excêntrico que pudesse justificar a personalidade da filha. Tratavam-na como normalmente pais tratam filhas. A única estranheza era a de que pareciam incentivar os hábitos incomuns de Gisele. Depois que os vi pela segunda vez chamando a atenção da filha para estranhos que ouviam alguma conversa por detrás dela, perguntei “Mas então os senhores concordam que Gisele responda apenas “não sei” quando há mais de duas pessoas escutando-a?” E eles: “Sim, é mais seguro”. “Mas os senhores mesmo não agem dessa forma”. “O caso de Gisele é diferente.” “Por quê?” “Não sabemos.”

Havia cerca de um mês, eu cheguei a desconfiar que as bizarrices tinha algum motivo bastante racional e suspeito. No instante seguinte, resolvi que eu precisava dar um tempo com os seriados de suspense. Mas, depois da conversa com os pais de Gisele, minha suspeita voltou com tudo. Teria Gisele se envolvido em algum crime? (continua)

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele

Quando conheci Gisele, ela tinha os olhos borrados de olheira. Falava pouco, pausadamente, e com calma. Não com mais de duas pessoas ao mesmo tempo. Lembro-me de uma ocasião em especial, no aniversário de uma prima em comum. Discutíamos, ela e eu, sobre o clima estranho da cidade. Nada profundo. Creio inclusive que não fosse possível haver nada mais superficial. Lá pelas tantas, aproximaram-se de nós duas amigas de minha tia. Ela calou-se num instante. Se dirigiam a palavra a Gisele, ela respondia apenas “Não sei”. Pouco lhe importava se o “não sei” fazia ou não sentido como resposta. “Soube que você é que fez o bolo, Gisele, parabéns, está muito bom!” “Não sei.” “Como não sabe? Não provou?” “Não sei.” “Mas então prove!” “Não sei.” Nem mesmo a entonação da resposta variava.

A seus conhecidos, era menos estranho o fato de ela não falar com mais de duas pessoas ao mesmo tempo, ao fato de ela não procurar saída em ocasiões como essa. Gisele era capaz de ficar horas e mais horas respondendo “Não sei” a quem quer que fosse. E, a menos que a pessoa parasse de perguntar, ela não parava de responder. Certa vez, quando já éramos mais íntimos, tive a ousadia de indagar se ela não ficava incomodada de ficar tanto tempo falando sobre nada com pessoas que muita vezes ela nem conhece. A que ela me respondeu: “Ficar, eu fico. Mas convém não me arriscar”. Confessou-me também que havia adquirido o hábito de não ingerir líquidos antes de grandes festas, porque certa vez ficou tanto tempo com a bexiga cheia que acabou com uma infecção urinária.

Esse era apenas um dos muitos hábitos incomuns que havia adquirido nos últimos anos. (e continua...)

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Dia de sol

Teka ficou satisfeita na sexta-feira, quando, ao checar a previsão do tempo para o dia seguinte, descobriu que faria sol.

Ligou para as amigas, combinou que iriam andar no parque, depois tomar sol na piscina, depois nadar um pouco, poderiam também fazer um pique-nique, tomar sorvete, água de coco... Usaria aquele vestido bonitinho, e também aquele perfume cuja fragrância em nada combinava com dias frescos.

“Bom, mas então”, pensou, “se vou na piscina, preciso marcar depilação”.

Ligou para a depiladora e marcou para as 8 horas da manhã, antes da caminhada no parque. Ficou entorpecida pela idéia de que o sábado iria render. Sentiu-se viva, entusiasmada, aflita e, principalmente, ansiosa. Pensou até mesmo em qual calça de caminhada usaria.

Então, quando o despertador tocou as 7:15 da manhã, Teka escutou barulho de chuva. Saiu da cama, abriu a janela e lá estava: uma tempestade.

“Pronto. Já era a caminhada. E talvez até piscina...”

Ligou para a depiladora. Cancelou seu horário. Estranhou algo na forma como fez isso. Sentia-se até um pouco feliz. Parecia até que o fato de poder voltar a dormir mais um pouco compensava a tristeza de que seus planos estavam indo por água abaixo, com o perdão do trocadilho.

Quando o toque do telefone acordou-a do segundo sono, já eram 10 horas.

- Ô, Teka, você viu a chuva?

- Vi. Já era nosso programa, né?

- Pois é. O negócio hoje é ficar em casa assistindo tevê.

Teka respondeu a essa afirmação com o melancólico “É o jeito...”. Mas sentiu uma estranha felicidade, similar a que sentira quando desmarcara a depilação.

Ficar em casa vendo tevê. Podia fazer isso. Não era mal fazer isso. Em verdade... de fato! Era isso! Adorava ficar em casa vendo tevê! Comendo pipoca e bebendo Coca-Cola quente. Caminhar, transpirar, sair, ter que se vestir, se arrumar, pentear o cabelo, socializar... Que coisa cansativa!

Então Teka teve um súbito momento introspectivo e descobriu toda a verdade:

“Eu é que pedi a chuva. Era o único jeito de poder fazer o que eu bem quisesse”.

Ficou apenas com uma dúvida. Se queria tanto ficar em casa, por que fez todos os planos? Por que era o “único jeito”? Por que não poderia fazer isso mesmo se o sol aparecesse?

A esse pensamento, seguiu-se um silêncio denso, profundo. Não vinha apenas dela. Vinha de fora: a chuva cessara e em seu lugar um radiante sol surgira.

- E aí, Tekinha?! Podemos ir na piscina! Passou a chuva. Quanto tempo você precisa?

- Ah, sabe o quê, Mari? Acho que vou ficar em casa mesmo. Ver tevê, comer pipoca... To mais afim.

E veio a resposta às suas indagações:

- Nossa, por que isso? Ta deprimida?

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Inteligente, saudável OU bonita?

- Senhoras, sinto em informá-las que vocês foram enganadas. Pagaram para assistir a uma palestra sobre como ser a mulher perfeita, não? Pois bem, a palestra de hoje será não sobre como ser a mulher perfeita, mas sim como a perfeição é algo impossível. Não, não se preocupem. Não será nada muito filosófico. É bem racional e prático mesmo.
Quanto ao dinheiro investido, bem... façamos assim: se ao final sentirem que o dinheiro não valeu a pena, eu o devolvo. Confiarei em você, sejam honestas por favor.

Pois bem. Serei breve. Para uma mulher ser perfeita, ela deve ser inteligente, bonita e saudável.

Nestes primeiros slides mostrarei quais são os requisitos necessários a uma mulher perfeita, seguido do tempo que deve ser disponibilizado por semana para que cada um deles seja cumprido.

Então temos aqui:

- Dormir bem: 56 h
- Trabalhar: 40 h
- Manicure: 40 min
- Academia: 7h30
- Dar atenção aos filhos e ao marido: 21h
- Tomar banho com hidratantes, esfoliantes e cremes: 3h30
- Maquiar-se, passar hidratantes no rosto, protetor solar, cremes, etc.: 35 minutos
- Escovar os dentes e passar fio dental: 56 minutos
- Comer três refeições por dia (considerando que as outras três demoram um tempo desprezível): 10h30
- Leitura diária de jornal: 3h30
- Leitura diária de literatura: 3h30
- Supermercado: 4h por semana
- Seções de drenagem linfática: 1h
- Escolher a roupa apropriada: 3h30
- Aula de língua estrangeira: 3h
- Locomoções (de carro, considerando pouco trânsito): 10h30

Total: 169h41

Total de horas em uma semana: 168h

Viram? É impossível. E isso porque nessa conta não entrou pagamento de contas, depilação, festas, escova no cabelo, médico, compra de roupas, cabeleireiro...

Por isso, relaxem. É o que eu digo. Não queiram ser perfeitas. É necessário fazer escolhas. O que vocês querem ser? Bonitas, inteligentes ou saudáveis? Os três, queridas senhoras, só quando a semana tiver oito dias...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Na hora de escolher a profissão...

Gostaria de quebrar aqui com dois paradigmas da escolha profissional: o “sempre há tempo para outra faculdade” e o “Faça o que gosta, não o que dá dinheiro”. Já está meio tarde pra mim, e provavelmente para a maioria dos meus leitores, mas talvez ajude alguém com isso...

Em todo o caso, dois paradigmas eu mantenho: assista a aulas do curso que você pensa em fazer e converse com profissionais – bem e não ao bem sucedidos. Quanto mais você souber onde está se metendo, melhor.

Às quebras:

- É verdade que sempre há tempo para se fazer uma outra faculdade, mas pense que, se depois de formada em uma profissão a pessoa decide que “não é isso”, ela terá que ficar mais, no mínimo, quatro anos sentada em uma cadeira desconfortável estudando, terá que prestar mais um torturante vestibular e, talvez, passar mais um ano freqüentando a instituição que provavelmente concentra a maior quantidade de energia ruim por metro quadrado: o cursinho.

- “Faça o que gosta, não o que dá dinheiro” é algo relativo. Porque, de fato, não é nada legal trabalhar com algo insuportável, mas se, por exemplo, a coisa que você mais gosta na vida é comer em restaurante caro, talvez valha a pena escolher algo que você não goste taaanto assim, mas que dê um pouco mais de dinheiro. Ok, o exemplo do restaurante não foi lá muito palpável, mas pode-se pensar o mesmo de uma viagem, de cinema todo o final de semana, de uma festa de aniversário...

Enfim, eu ainda acredito que poderia haver um mundo sem “emprego” e “profissões”. Mas isso será assunto para um outro post...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O político desempregado

- Boa tarde a todos os senhores. Desculpe estar atrapalhando o conforto da viagem dos senhores, mas esta é a maneira que encontrei pela qual poderei estar pedindo uma pequena ajuda para os senhores para conseguir alimentar meus filhos.

Não me escondo atrás de minha doença. Nasci já cego, consegui estar trabalhando mesmo com esta minha deficiência, né, senhores, mas acontece que devido a essas condições de hoje, atualmente estou desempregado e infelizmente preciso de dinheiro para alimentar meus filhos. Sei, senhores, que tem muitas pessoas em condições iguais ou piores do que a minha, senhores, infelizmente. Nunca quis ganhar vantagem sobre ninguém, apenas quero alimentar meus filhos.

Assim, senhores, estou aqui, pedindo, por favor, uma pequena contribuições dos senhores. No caso de poderem me ajudar com uma ou outra moeda, de forma que isso não esteja afetando futuramente o bolso dos senhores. Como já disse, senhores, minha intenção não é ganhar vantagem sobre ninguém. Apenas alimentar meus filhos.

Obrigado. Obrigado. Deus te abençoe. Obrigado. Muito obrigado. Muito obrigado. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado Vai com Deus. Vai com Deus. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Deus te abençoe. Obrigado. Muito obrigado. Muito obrigado. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado Vai com Deus. Vai com Deus. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Deus te abençoe. Obrigado. Muito obrigado. Muito obrigado. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado Vai com Deus. Vai com Deus. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Deus te abençoe. Obrigado. Muito obrigado. Muito obrigado. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado Vai com Deus. Vai com Deus. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Deus te abençoe. Obrigado. Muito obrigado. Muito obrigado. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado Vai com Deus. Vai com Deus. Deus te abençoe. Muito obrigado. Obrigado.