terça-feira, 9 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele II

Esse era apenas um dos muitos hábitos incomuns que havia adquirido nos últimos anos.

Gisele também carregava sempre um gravador consigo. E uma agenda. Todos os seus passos – todos mesmo – estavam registrados na agenda. Até mesmo “almocei”. Assim, para não perder muito tempo anotando o que iria fazer no próximo segundo, definiu horários rígidos para tarefas cotidianas. Acordava, escovava os dentes, tomava banho, lavava as mãos, ia ao banheiro... sempre no mesmo minuto do dia. E a tarefa também possuía sempre a mesma duração. Em caso de eventualidades – como no dia da festa – ela fazia um apêndice àquela página determinada da agenda, e tudo tinha que ser anotado em um novo horário. “Nunca se sabe o que nos pode acontecer”, disse uma vez. É, eu também não entendi o que uma coisa tinha a ver com outra. Mas quando elaborei melhor a minha dúvida, ela respondeu o incansável “Não sei”, ainda que não houvesse ninguém na conversa além de mim.

Sua mãe e seu pai, dois senhores jovens muito simpáticos e bem-apessoados, não apresentavam nada de excêntrico que pudesse justificar a personalidade da filha. Tratavam-na como normalmente pais tratam filhas. A única estranheza era a de que pareciam incentivar os hábitos incomuns de Gisele. Depois que os vi pela segunda vez chamando a atenção da filha para estranhos que ouviam alguma conversa por detrás dela, perguntei “Mas então os senhores concordam que Gisele responda apenas “não sei” quando há mais de duas pessoas escutando-a?” E eles: “Sim, é mais seguro”. “Mas os senhores mesmo não agem dessa forma”. “O caso de Gisele é diferente.” “Por quê?” “Não sabemos.”

Havia cerca de um mês, eu cheguei a desconfiar que as bizarrices tinha algum motivo bastante racional e suspeito. No instante seguinte, resolvi que eu precisava dar um tempo com os seriados de suspense. Mas, depois da conversa com os pais de Gisele, minha suspeita voltou com tudo. Teria Gisele se envolvido em algum crime? (continua)

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