quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Uma valsa

Estava tão cansado. O ônibus chacoalhava tanto. Queria estar sentado. Dormiria. Ou talvez não: teria medo de perder o ponto.

Suas pernas não agüentavam mais o peso leve do corpo. Os joelhos estavam profundamente flexionados e os olhos, se estivessem abertos, enxergariam o próprio quadril, tal era a angulação da nuca.

Apenas um braço em contato com a haste deixara de ser o suficiente para garantir a permanência minimamente ereta do corpo. Agora, mão direita e esquerda agarravam uma das poucas barras verticais e, ainda assim, a cada freada do motorista, seu tronco era lançado com ferocidade para a direita.

O pescoço começou a doer. Apoiou então também a cabeça na haste, pouco abaixo das mãos. A boca aberta, a bochecha colada àquela estrutura que tantas mãos, limpas, sujas e imundas, seguram diariamente.

Se ele não ligava? Não sei se chegou sequer a perceber que quase a beijava. Que a abraçava como se fosse uma amante. Que a guiava como se fosse a melhor parceira de dança que já tivera, valsando ao ritmo das partidas e freadas.

De repente, aquele já não era o único par de dançarinos do salão ambulante. O corredor estava tomado por homens e mulheres, jovens e velhos, que, agarrados às armações verde amareladas, ou amarela esverdeadas, quando não cinzentas, mexiam o quadril para um lado e para o outro, retomando o equilíbrio com um pisar duro e preciso.

Quanto a mim, não me sobrou lugar para segurar. Fui a juíza do concurso, examinando atentamente cada dupla, desequilibrando-me constrangedoramente hora sobre dançarinos à esquerda, hora sobre dançarinos à direita.

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