segunda-feira, 30 de junho de 2008

A menina pobre que não estuda

Karina ficou conhecida como a menina pobre que não gostava de estudar. Dentro de casa, na escola e mesmo entre os vizinhos do prédio. Parecia tão impossível para todos a existência de uma menina pobre que não gostava de estudar, que no dia seguinte à declaração foi o único assunto do elevador social.

A notícia, é claro, chegou aos ouvidos da tia cerca de uma semana depois. Foi quando ela foi perguntar à então filha:

- Karina, ouvi dizer que você não tem feito os deveres do colégio. É verdade?

- Não.

- Então deixa eu ver.

E Karina mostrou. Tava lá. Tudo feito.

Como um mês depois o assunto ainda aparecia por vezes dentro de casa, a tia achou melhor ir averiguar o fato com a professora:

- A Karina... A menina nova, né? Sim, ela faz os deveres todos sim. Apresenta algumas dificuldades, principalmente com português. E é verdade que poderia se esforçar mais com as tarefas, porque ela faz só o mínimo. Mas todos fazem isso. Criança gosta mesmo é de ir brincar.

A tia concordou, satisfeita. Só não ficou feliz quando escutou de Pedro, assim que chegou à casa:

- Sabe, é uma pena. Comprei um jogo novo de vídeo game que só dá pra jogar em dois, e a Fabiana nunca quer jogar comigo. Aí pensei em convidar você, mas minha mãe não deixou. Disse que você tem que estudar.

- Ô, Pedro, é verdade isso? – interferiu a tia.

- É sim... Mas não conta pra minha mãe que eu te falei isso, por favor...

- A Karina ta indo bem no colégio. Vem, filha, vai lá no meu quarto ver televisão.

- Não posso ir na sala? É maior.

- Não, filha. Hoje não.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Reflexões de um ser de regime

Epicuro dizia que o homem deve sempre lembrar-se de momentos bons que já viveu quando estiver em uma situação ruim. Assim, se ele tem fome, deve lembrar dos momentos de fartura, de como estava feliz. E então ficar contente em saber que o que já aconteceu de bom não poderá jamais deixar de ter acontecido.

O filósofo ainda diz que, caso não haja boas lembranças, a pessoa deve imaginar um futuro melhor e se prender a ele, vendo-se em melhores condições do que as atuais.

Eu já acho que às vezes o melhor é, em um momento ruim, lembrar-se de piores ou projetar-se em um futuro pior.

Se você está de regime, por exemplo, em vez de se lembrar de quando podia comer um bolo de chocolate, lembrar de quando comia batata frita sem culpa, ou de quando pão de queijo era um lanche diariamente obrigatório, lembre-se de quando o regime era ainda mais pesado e nem um macarrão ao sugo você se permitia.

E não havendo passados assim, pense que você começou o regime agora, e que se começasse só um ano depois, teria que comer salada – sem azeite – no café da manhã no almoço e no jantar.

Dei o exemplo do regime por motivos pessoais e também porque casou bem com a proposta do post. Mas faz sentido também com outras coisas.

Por exemplo: Você tem que estudar muito para uma matéria em que está indo mal. Em vez de pensar como você já foi bom aluno, como as notas eram altas, como você era super inteligente, pense como poderia ser pior. Como você poderia estar estudando bem mais para nem uma nota 4 tirar.

Pensar em brigadeiro e elogios de ex-professores não ajuda em nada quem sofre por não poder comer ou se ferrar nos estudos. Mas ninguém vai jogar nenhuma pedra no Epicuro já que certamente ele recomendava seu método a pessoas com problemas mais sérios do que os dos meus exemplos.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Primeiro encontro

Estava certa de que seria incapaz de trair o marido. Ainda mais porque nem haveria ocasião para encontrar-se com Gustavo novamente.

Mas a oportunidade não tardou a aparecer. Duas semanas depois, Gustavo foi buscar Dona Inês na aula. Ela tinha médico. Mas justo a Dona Lourdes, uma colega, morava exatamente na rua do médico.

- Ângela, vou de carona com a Dona Lourdes. Quando meu filho chegar diga isso a ele, que não é preciso se preocupar.

- Não é melhor ligar para ele?

- Não, porque se não ele vai dizer que não, que ele me leva, que não confia em mim...

- Está bem.

Gustavo chegou dois minutos depois que Dona Inês partia. Encontrou Ângela. Sorriu. Ela deu o recado. O sorriso desapareceu.

- Bom... Já to aqui... Toma um café comigo?

- É... Claro, por que não?

Foram tomar um café. Ângela não acreditava como era possível um homem tão bonito, filho tão dedicado, tão inteligente, tão simpático... Não ser casado. Queria tê-lo conhecido antes. Precisava de um amigo assim. Tão bom ouvinte. Era tão preocupado. Olhava nos olhos quando falava. E como falava. E a boca. Devia beijar tão bem, se ao menos pudesse se aproximar mais de seus lábios e. Não. Que é isso, Ângela. Comporte-se. Você é uma mulher casada, tem filhos...

- Está tudo bem? Você ficou pálida de repente.

Ah, e como ele repara nas emoções de uma mulher.

- Está. Só acho melhor eu ir embora.

- Bom, você que sabe. Mas aí você vai ter que aceitar tomar outro café comigo, porque não aceito programas terminados na metade.

- É que... Eu sou casada, e meu marido...

- Seu marido não deixa você tomar café com um amigo? Ah, duvido! Vamos sair de novo sim. Semana que vem. No mesmo horário.

- Está bem.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Chorar

Difícil trabalho
esse das emoções
Não há fixo horário
tampouco comissões

Às vezes é breve,
Mas anos pode durar
Nunca entra em greve
Não pode parar

Algumas tanto trabalho têm
que suam com freqüência
Causam tontura, falta de ar, vertigem
E as lágrimas vêm como conseqüência.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Estudar é chato

A manhã passou rapidamente. Dona Ângela chamou Karina para ficar assistindo televisão na sala. Passavam uns programas que a menina nunca tinha visto. Era tanto canal... Tinha uns que passavam desenho animado o tempo todo. Mesmo à noite. Foi o que Dona Ângela disse.

Mas houve um diálogo com Dona Ângela que deixou Karina meio confusa. A moça perguntou:

- E aí? Animada para ir à escola?

Karina não entendeu bem a pergunta. “Quem se anima para ir à escola?” Pensou. Mas fez como de costume, respondendo o que achava que esperavam que ela respondesse:

- Animada? É. To.

- Ah, mas no seu lugar eu também estaria. Muito animada. Você vai ver! Depois que começarem suas aulas, acho que já começam semana que vem, você nem vai querer saber de desenho animado. É muito bom estudar.

A menina ficou então imaginando o que as pessoas dessa cidade chamavam de escola. Com certeza seria diferente da que ela conheceu na Bahia. Não era possível. Estudar era muito chato. Se na Bahia pegava em um livro, era por não ter mais o que fazer. Mas com canais que passavam desenho animado o dia todo! Há! Quem ia querer estudar.

À tarde aconteceu algo que deixou Karina ainda mais atordoada. Ela acabava de lavar a louça do almoço quando ouviu Dona Ângela conversando com Pedro:

- Está bem. Se você estudar por mais duas horas poderá ver televisão.

- Duas horas??? Mas mãe, é muito tempo!

- Eu sei, filho. É chato mesmo ter que ficar estudando, mas você ta indo mal nas provas. É o jeito.

- Dona Ângela – chamou a menina.

- Pode me chamar de Ângela só.

- Ta. Ângela, não entendi. É chato ou é legal ficar estudando?

- Mas que menina espertinha! O Pedro acha chato, porque, por ele, ele passaria a vida na frente da tevê.

- Eu também passaria.

Ângela fingiu que não ouviu. Mas a resposta seria a discussão do jantar, quando tia e sobrinha já dormiam:

- E vocês não sabem o absurdo: a menina, a... Karina. Uma graça, mas diz que não gosta de estudar. Veja só! Uma menina, sem oportunidades na vida, que prefere ver tevê do que estudar! Onde já se viu! Se ainda fosse rica... Mas meninas como ela adoram estudar! Sabem dar valor, claro: estudam se pagar! Mas essa menina...

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Café-da-manhã paulistano

“Só podia ser um sonho”, pensava Karina enquanto ajudava a tia-mãe a colocar a mesa. Toddynho, queijo, presunto, pão, iogurte, requeijão, DANONINHO!!!

- Posso pegar um?

- Claro. Pode pegar o que quiser. Só tem que me avisar se for o último porque aí compro mais.

- Mas você tem dinheiro pra isso?

- Quem me dera... É com o dinheiro da Dona Ângela, minha patroa. É uma moça muito boa, você vai gostar dela. Ela tem dois filhos, a Luciana e o Pedro. São mais velhos do que você. A Luciana tem 14 e o Pedro tem 16. Tem também o Seu Rodrigo, mas ele quase nunca ta aqui. Mal toma o café da manhã direito e volta bem tarde, quando a gente já foi dormir.

- Com tudo isso ele toma o café rápido?

- É. Na verdade nem um deles come muito no café, só a Dona Ângela.

Não havia dado nem 5 minutos desde que a mesa estava posta quando entrou o Seu Rodrigo.

- Olha, Seu Rodrigo, essa é minha sobrinha, a Karina, que eu falei pro senhor.

Seu Rodrigo deu uma olhada sonolento. Disse “Oi como vai”, engoliu o café e foi embora. Bastou isso para que Karina o temesse pelo resto de sua vida.

Os minutos foram passando, cada um foi acordando, tomando café, sendo apresentado à Karina... Ângela foi a mais simpática. Recepcionou a menina com um abraço e um beijo. Disse que.., como é que era... “qualquer coisa é só pedir”. Os filhos foram legais também, mas quase não falaram nada. A tia disse que é porque eles estavam com pressa e com sono.

- O que é pressa?

- Pressa... é... apressado. Quando a pessoa ta atrasada... sabe? – Karina continuou com o olhar interrogativo – Assim, quando faz tudo correndo.

- Como em uma competição de quem vai mais rápido?

A tia desistiu:

- É, mais ou menos isso. Uma competição. Só que em São Paulo todo mundo está sempre assim.

- Competindo o tempo todo?

- É... não... Ah, menina, deixa de bobagens. Vem me ajudar com a louça, que hoje temos muito o que fazer.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O bom professor

Quinta-feira, (...)
..................................
"Caro Professor Geraldo Oliveira,

Sou estudante de jornalismo da Faculdade de (...) e eu estou fazendo um trabalho sobre a revista (...) q vc q criou.

Se trata de fazer analises sobre as primeiras 5 ediçoes, e para isso, seria otimo se vc pudesse me passar algum material...

A entrega do trabalho é na segunda-feira, e preciso fazer uma apresentação em power point com imagens de materias, das capas, numeros de vendas, analises comparativas... Tem como me passar para mim esse material por email?

Brigada,

Nathália"

Sexta-feira, (...)
................................

"Cara Nathália,

Possuo sim esse material, mas ele é muito pesado - não consigo mandar tudo em apenas um e-mail. Mesmo que conseguisse, não mandaria, pois estaria te passando cola, e o correto é que você mesma vá atrás da tarefa que foi proposta pelo seu professor. Afinal, o trabalho do jornalista consiste exatamente em pesquisas e apurações, e não vejo nada disso na maneira como você está agindo.

Se você tivesse entrado em contato comigo mais cedo, eu poderia ter recomendado que você fosse até a Editora da revista. Eu pediria então a Fátima, minha secretária, que já deixasse alguns exemplares separados para sua consulta.

Aliás, tratando-se de uma análise de uma revista criada por mim, seria interessante para o seu trabalho uma entrevista comigo, não?

Sugiro que você negocie com o seu professor uma nova data de entrega.

Bom final de semana,
Geraldo.

Ps.: encontrei em seu e-mail dez erros de português. Penso que você não esteja indo por um caminho muito acertado..."

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Que Chico Buarque fale por mim

Honestamente: hoje não tive nenhuma boa idéia de conto. Estou com vontade de escrever sobre uma dúzia de coisas, mas não tenho idéia de como deixar essas milhões de coisas interessantes.
Então resolvi abrir um novo marcador. Chama-se "Que fale por mim". Afinal, existem coisas tão geniais já escritas que acho válido, vez ou outra, apresentar tais coisas. A estréia de hoje é uma música do Chico Buarque. Chama-se Outros Sonhos.

Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
Sonhei que ela corava quando me via
Sonhei que ao meio dia
Havia intenso luar
e o povo se embebecia
Se enpetecava João,
se emperiquitava Maria
Doentes do coração
Dançavam na enfermaria
E a beleza não fenecia
Belo e sereno era o som
Que lá no morro se ouvia
Eu sei que o sonho era bom porque ela sorria
Até quando chovia
Guris inertes no chão
falavam de astronomia
E me jurava o diabo
que Deus existia
De mão em mão o ladrão
Relógios distribuia
E a polícia já não batia
De noite raiava o sol
Que todo mundo aplaudia
Maconha só se comprava na tabacaria
Drogas, na drogaria
Um passarinho espanhol
cantava esta melodia
E com sotaque esta letra
de sua autoria
Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
E por sonhar o impossível, ai
Sonhei que tu me querias
Soñé que el fuego heló
Soñé que la neve ardia
Y por soñar lo imposible, ay, ay
Soñé que tu me querias

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Ajuda com a pipoca

Apesar de aparentemente sem solução, as crises neuróticas de Ângela deixaram de existir lá pelo 18º aniversário de Fabiana. Foi quando, ainda casada, ela conheceu Gustavo.

Gustavo era o filho de uma das senhoras do curso de cerâmica, Dona Inês. Uma vez por mês, Dona Inês oferecia uma festa em sua casa, ou melhor, não era bem uma festa. Apaixonada por clássico do cinema, ela fazia uma seção, com direito à pipoca, refrigerante e até vinho, se fosse do gosto de algum convidado. O evento era um sempre um sucesso, e toda a sala, de 5 mulheres, ia.

Ângela já havia visto Gustavo uma vez, quando, após jantar com a mãe, ele ia embora no mesmo momento que a festa começava. Mas foi só quando Dona Inês quebrou a perna que ela pôde conhecer mesmo Gustavo.

Ele estava lá, para se a mãe precisasse de alguma coisa e para garantir que ela se comportasse. Médico, não deixava a mãe sequer levantar para alcançar o controle remoto. Havia sido inclusive contra a festa, mas não conseguiu convencer Dona Inês a cancelar a tradição.

Então alguém lembrou que cinema na Dona Inês sem pipoca, não é cinema na Dona Inês. E lá foi Ângela se oferecer para fazê-las.

- Ih, Dona Inês, não acho o sal!

- To indo a...

- Não, mãe. Fica aí. Eu vou lá.

E foi bem essa coisa boba mesmo, de um ajudar o outro na cozinha, e deixar cair o milho, e se abaixarem os dois para pegar o milho, e risadas, e constrangimentos. Foi, digamos, um primeiro flerte, que Ângela nunca pensou que fosse passar disso. Desejou, é verdade, mas estava certa de que seria incapaz de trair o marido.

- Uma simpatia, esse teu filho, Dona Inês!

- É! É médico!

terça-feira, 17 de junho de 2008

Mãe imperfeita

Ângela era uma boa mãe. Nunca deixara faltar nada aos filhos, emocionalmente e financeiramente. Ela cometia sim alguns erros, mas nada condenável. É verdade, porém, seu temperamento nunca foi dos mais fáceis.

Se algum filho a desobedecia, instintivamente Ângela gritava, esperneava, dava a maior bronca. Nunca bateu, embora talvez tanto Fabiana quanto Pedro preferissem um tapa ao escândalo, que não tinha hora e nem lugar para acontecer.

Certa vez, em comemoração aos 14 anos de Fabiana, a família toda foi jantar em uma pizzaria. Na hora do parabéns, Pedro gritou: “Vamos levantar ela na cadeira!”. Ângela logo cortou: “Não, Pedro, essa pizzaria não é que nem a que você vai com os seus amigos. É um ambiente sério, este. Vai chamar muita atenção”.

Pedro abaixou a cabeça e fingiu obedecer à mãe. Cinco minutos depois, porém, quando ela estava distraída pensando em qual outro sabor de pizza pedir, Pedro e Matheus, um primo, seguraram as pernas da cadeira onde Fabiana estava sentada e em um grande impulso jogaram a menina para o ar, que, imediatamente, soltou um grito de susto, seguido por uma forte gargalhada.

Se nem toda a pizzaria percebeu o berro de Fabiana, com certeza ninguém deixou de arregalar os olhos para a cena que se sucedeu. A doce Ângela parecia que ia ter um ataque nervoso. Gritava, esperneava, chorava, pedia pelo amor de Deus o respeito de seus filhos. Para Pedro, finalmente ficou claro como poderia ser tão horrível a sensação de chamar a atenção de todos da pizzaria. E a culpa, em parte, era dele.

A mulher descabelada só sossegou na manhã seguinte. Não quis sair em nenhuma foto, e nem aceitou uma colherada do pudim de leite que Matheus, com peso na consciência, ofereceu-lhe. E o desassossego não era nem mais pela desobediência do filho. Era, sim, porque, mais uma vez, ela havia exagerado. Havia dado escândalo. Odiava dar escândalo, mas era impossível conter.

Pediu desculpas no dia seguinte, como de praxe. Dizia que não deveria ter feito isso, mas que às vezes essas coisas escapam. Perguntava aos filhos e ao marido se eles não tinham uma idéia de repente para que ela conseguisse controlar os acessos de fúria. Mas não tinham. E o caso dava-se, assim, por encerrado.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Vida em sociedade

O ano era 1988. Na porta do prédio do “vermelhinho” – como é chamada a pré-escola do Colégio I. L. Peretz – dezenas de crianças barulhentas ganhavam balas. Como eu não estava chorando, eu não ganhei, assim como minha irmã, de 3 anos e meio, dois mais velha do que eu.

Minha mãe foi instruída a continuar no prédio, bem como todas as mães de novos alunos. Ela esperava ansiosa para o momento em que eu sentisse sua falta e chorasse copiosamente até que ela viesse me resgatar com um abraço e as ternas palavras de consolo “Não chora, mamãe tá aqui”. Mas, para sua grande decepção, isso não aconteceu. Durante as três horas do meu primeiro dia de aula, eu desenhei, brinquei e fiz amigos. Principalmente, fiz amigos.

Em julho do mesmo ano, eu passeava no parquinho do Guarujá com a minha mãe quando repentinamente soltei da mão dela e saí correndo. Parei em frente a uma menina ruiva e comecei a pular, enquanto ela, como um espelho, repetia os mesmo gestos na minha frente. Em menos de cinco minutos, minha mãe achou a responsável pela menina ruiva e descobriu que éramos colegas de classe. E, assim, também em menos de cinco minutos, eu descobri as vantagens de se ter amigos: o pai dela pagou para que eu fosse a um monte de brinquedos. Se fosse minha mãe que estivesse bancando a brincadeira, eu teria que escolher dois, no máximo.

Viramos melhores amigas. Eu, a menina ruiva, e uma loirinha, cuja mãe era amiga da mãe da ruiva. Minha mãe perdeu lugar de vez em meu ciclo social. As meninas de cabelos coloridos eram muito mais legais, e os pais delas sempre me ofereciam doces importados. Na casa da loirinha, havia um boneco vermelho que, ao ter o braço pressionado para baixo, deixava cair em sua mão branca um monte de MM’s, aquele chocolate. Mas isso não era nada comparado à máquina de Coca-Cola só dela.

Nossa amizade foi tão intensa, mas tão intensa, que, ao passar para o Ensino Fundamental, a orientadora de escola nos separou, alegando que precisávamos interagir com outras crianças. A partir de então, cada uma de nós assistiria às aulas em uma sala diferente das demais. Foi o começo do fim do nosso trio. Na terceira série, eu escrevi um bilhete para a menina loirinha, para que continuássemos amigas. No dia, ela me deu um abraço e combinamos que nossa amizade não mudaria por causa da escola. Mas, um ano depois, ela era popular e, eu, nerd. Nunca mais nós três fomos amigas.

Outras coisas, porém, não mudaram. A menina que não precisava da mãe para acolhê-la na pré-escola, também rapidamente aprendeu, com as amigas, a andar de ônibus e metrô, dispensando as caronas da mãe. Com quinze anos, tinha independência e a confiança da para viajar sozinha ou chegar em casa a altas horas. Ao mesmo tempo, a perda de amigos a cada mudança de ciclo estudantil também a acompanhou até hoje. Do Ensino Fundamental para o Médio, do Médio para o cursinho, do cursinho para a faculdade. É como se a vida fosse a escola, sempre dizendo: “Está na hora de interagir com outras pessoas”.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Seis espelhos!!

- Outro ônibus? Pensei que a gente já tava em São Paulo – disse Karina quando a tia puxou-a para dentro do veículo.

- É que São Paulo é grande. Já estamos aqui, mas precisa de ônibus pra ir pra casa. E vai se preparando porque a viagem é longa e nem sempre dá pra sentar.

Desta vez, por sorte, deu. Foram as duas sentadas até a casa de Dona Ângela, onde trabalhava a tia, agora mãe, de Karina. Chegaram uma hora depois.

Foram comprar pão. Seis pães. Karina achou caro, sua tia a advertiu de que era assim em São Paulo – tudo mais caro.

- Nossa, mas esse prédio é muito grande! A casa que vamos é muito no alto?

- É. A última. Mas a gente pega o elevador e vai rapidinho.

- Elevador?

- Não vai dizer que não sabe o que é um elevador!

- Saber eu sei, é que nunca vi um de perto, né?

A empolgação de Karina só aumentava. Sentia que não estava em outro Estado, mas em outro país, outro planeta, outro mundo!

- Tem campainha!! Posso apertar?

- Agora não porque tem gente dormindo lá dentro. De tarde eu te deixo. Se quiser eu deixo você rodar a chave. To aqui.

Entraram.

- Ih, tia... – decepcionada – pelo jeito que você falou achei que ia ter um sofá desses bem grandes, que ia ter vários quartos...

- E tem.

- Cadê então? Aqui só to vendo um banheiro do tamanho do da casa da Bahia, e só dois quartos. E em um nem tem cama.

- Então faz assim: vai até lá no canto, onde tem o armário. E olha atrás dele, no canto.

- Ah, tem uma porta. Que que tem atrás, mais um quarto?

- Não, Karina. Aqui é só a área de serviço, onde eu durmo, lavo roupa... Onde ficam os produtos e limpeza, a dispensa. Atrás dessa porta tem tudo o que eu te falei.

A tia não precisou acabar de falar para que Karina abrisse a porta. A casa era ainda maior do que as das novelas. Uma sala duas vezes maior do que sua própria casa. Ainda outra, um pouco menor – quase do tamanho mesmo de sua casa.

Saiu correndo para contar quantos banheiros. Um, dois... Dois, só?

- Em cada quarto tem outro banheiro – explicou a tia.

Eram quatro quartos. Então deviam ser seis banheiros. Seis!!

- Os dos quartos também têm espelhos?

- Do tamanho dos de salão de beleza.

Ah, era demais. Só podia ser um sonho.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O copo furado

Queria ser
um copo furado
Deveria ser
Deveriam
ser um copo furado.

Não há limite
para um copo furado
Ele não enche
Ele não transborda

O copo furado
se alivia aos pouco
Não de uma vez
como os comuns

Queria ser leve
sã, simples, ampla
Como um copo furado

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Como esquecer um homem, final

- Ô, Caduzinho! Abandonou a gente, mano?

- Que é isso, João. É que achei essas amigas lá na frente e fiquei lá com elas.

- Ah, ta explicado, então. Não quer apresentar não?

As duas ficam tímidas.

- Opa! Essa aqui é a Marcela e a piradinha do lado é a Fabi.

- Mas que bela reputação eu tenho!

No ouvido de Fabi:

- Você não falou que ta interessada? To te ajudando!

- Piradinha, é? Com essa cara de anjo?

- Ih, você não viu nada...

- Cadu!!

- Haha, não fica brava não... As piradinhas são as mais legais.

- Legais, sei. João, né? Sei muito bem o que são meninas legais.

- Ô, não fala assim! Vai, vamos fazer as pazes. Vem pegar uma breja comigo.

- Quer alguma coisa, Má?

- (cochichando) Como se você fosse mesmo voltar... haha

- Acho que sua amiga te abandonou, Marcelinha.

- É, tudo bem. Foi por uma boa causa.

- E a sua “boa causa”, cadê?

- (corando) Minha boa causa? É. Boa pergunta.

- Ah, é que você também não ta olhando direito.

- Então me ensina a olhar.

(Marcela passaria o resto de sua vida imensamente grata por esse momento inacreditável em que sua timidez simplesmente desapareceu)

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- Hahahaha Boa causa??? Ai, Má. O Cadu já foi melhor em cantadas... Mas e aí? Como foi? Você acha que vocês ficam de novo?

- Não sei... talvez em outra baladinha, mas não acho que ele vá me ligar não. Mas se você quer saber, to ótima assim. No final da balada vi o Nathan pegando uma menina. Não senti nada. Juro! Precisava mesmo de outro cara...

- Outro cara nada amiga. O cara. É só uma coisa que você precisa enfiar na sua cabecinha. Você não amava mesmo o Nathan. Não foi problema de coração partido. Foi problema de vaidade ferida, de auto-estima baixa. Tipo... “Como assim eu não sou perfeita para esse cara?”. Vai dizer que você nunca pensou nisso.

- Ah... assim assim também não... Mas faz sentido isso. Porque, agora que eu peguei o cara "mais lindo do mundo", não dou a mínima pra Nathan nenhum.

- Auto-estima recuperada. Simples assim.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Como esquecer um homem, 2a parte

- Ai... Que frio!!! E essa fila que não anda de jeito nenhum!

- Relaxa, Má! Frio é psicológico. Ahhhhhh!

- Que foi?

- Disfarça. Ta vendo um cara ali, de camisa listrada azul e branco, com um cara de camisa preta...?

- Ãhn?

- Olha quem está atrás deles! Mas disfarça!

- Quem... Não acredito!

- É... Parece que é hoje que alguém esquece um tal de Nathan...

- Ta louca?! Ele conseguiu ficar ainda mais lindo do que já era! Só daqui eu já vejo umas 10 meninas secando ele. Ele veio só pra eu ter algo bonito pra olhar nesse frio!

- Bom, pelo menos já melhorou o seu humor.

- Ih, Fabi, esse cara melhora qualquer humor...

- Vai lá falar com ele.

- Há Há

- Por que não?

- (dramatizando a voz) “E aí, Cadu, tudo bem?”, “Tudo e você?”, “Tudo”, “Você vai na balada?”, “É, né, to na fila...”, “Ah, então, legal, a gente se vê lá dentro”;

- Hahaha... Até parece... O Cadu é tão sussa...

- Exatamente. Já tentou puxar papo com ele?

- Não, mas agora fiquei curiosa. Cadu!

- Ta louca???

- (se aproximando) E aí Fabi?! Tudo bem, Marcelinha?

- Tudo, e você?

- Tudo também. E aí, vão pra festa?

Rápido olhar de Marcela para Fabiana, que responde rápido:

- Tamos aí. Será que a fila demora ainda?

- Ih, não sei. E olha que vocês ainda estão na frente. Eu to lá atrás...

- Entra com a gente! – solta Marcela, sem querer.

- Olha, é uma boa idéia viu Marcelinha. Vou ficar com vocês então.

- E seus amigos?

- Já ta interessada, né, Fabí?

- Hahaha... É, Cadu... Não são de se jogar fora.


- É que se eu chamar todos aqui o pessoal vai chiar. Mas deixa eles lá e lá dentro eu apresento pra vocês.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Como esquecer um homem, 1a parte

- Alô! Oi, tia, é a Fabiana. A Marcela ta aí?

- Oi Fabí. Ta sim, vou chamar.

...

- Oi, amiga.

- Ta pronta? To saindo em 10 minutos pra te buscar.

- Ah, Fabí... Eu... não vou, tá?

- Como assim não vai?! Má, você tem que ir! Faz uns cinco anos que a gente espera por uma festa de faculdade! Meu pai nunca deixou...

- Eu, sei, Fabí. Desculpa. Você pode ir, vai um monte de gente lá, que eu sei. É só que... Eu não to muito no clima, sabe?

- Hum, acho que isso aí tem outro nome. Por algum acaso o Nathan vai?

- (em tom baixo e triste) Vai...

- Ah, sabia! Sem essa, Má. To passando aí. Subo, te ajudo a se vestir e a gente vai. Todo o mundo diz que só tem cara gato nessa festa! Você nunca mais vai pensar em Nathan nenhum.

- Só por um milagre...

- Então um milagre está prestes a acontecer! Você vai ver! Mas muda este humor, porque de braços cruzados é que você não vai atrair ninguém.

- Se fosse só os braços...

- Ai, meu deus, o que um homem não é capaz de fazer! Que auto estima é essa?

- Sei lá...

- Quer meu vestido preto emprestado?

- Você ta falando sério?

- Ah, eu sei que você sempre gostou dele. Se vai fazer você se sentir bem...

- Ai... E se acontecer alguma coisa...?

- Não vai acontecer nada! E se acontecer você me dá aquela sua blusa frente única!

- Fechado!

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Na quadra

Esta é a história de um jogador de basquete. Podia ser de futebol, mas achei muito clichê começar com “Esta é a história de um jogador de futebol”. Também poderia ser de handebol, mas no momento preferi basquete. Pode ser que me arrependa depois, mas a decisão foi tomada. E na verdade não se trata da história propriamente dita, mas de alguns detalhes sobre o nosso amigo. Adriano, ele se chama.

Bom, Adriano, o jogador, nosso amigo, era a pessoa mais calma do mundo. Um amorzinho, um fofo. Desses que têm mais amigas que amigos, que toda a mãe pede para a filha namorar, que é só abraços.

A calma não vinha do esporte, da yoga, da alimentação... de nada. Ele nasceu assim. De bem com todos e de bem com a vida. Não achava que nada lhe sobrava nem faltava. Vivia como vivia.

Isso todos os dias do ano, menos os de jogo.

Quando estava na quadra, chamá-lo de estressado era pouco. Talvez por isso mesmo fosse tão bom jogador. Fazia de tudo para pegar a bola e tudo para chegar ao destino dela. Fominha, ultrapassava não apenas seus adversários, mas também os companheiros de time. Um olé atrás do outro.

Ficava surdo. Não escutava o técnico, nem a torcida, nem o apito do juiz. Parava a jogada somente quando percebia que todos os demais jogadores estavam imóveis, de barcos cruzados, esperando ele devolver a bola, caso estivesse com ele – provavelmente estaria.

Não ouvia, mas falava bastante. Urrava, gritava, dizia palavrões, xingava.

Sua face ficava contraída. Os dentes rangiam. Cuspia. Nunca tinha fumado, mas ficava com vontade de fumar. Tinha vontade de bater. De atirar, de matar alguém.

Um dia o técnico resolveu que preferia um jogador não tão bom mas que o respeitasse do que um excelente e insuportável. Foi conversar com Adriano. Adriano não entendeu, ele mesmo não percebia o quão irado ficava durante as competições. O técnico, então deixou que ele jogasse mais um jogo. O técnico filmou o jogo, e mostrou-o ao atleta.

Impressionado, Adriano nunca mais jogou.

Assim como tem gente que, depois de muitas multas, nunca mais dirige. Na verdade não tem muita gente. Mas deveria.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Chegando em São Paulo

Karina causara tanta inveja a seus amigos, que pensou ser impossível não gostar da cidade grande. Chegou à rodoviária às 5 da manhã de uma segunda-feira. Estava em êxtase e, ao mesmo tempo, assustada com o tamanho do lugar e a quantidade de gente.

O barulho então... Infernal. Mas não para Karina. Para ela, a partir daquele singular momento ela seria a protagonista de uma novela. E não qualquer novela, mas uma das 8, que é mais divertida e não tem tanto drama.

Sua tia segurou forte em sua mão e foi puxando-a para fora, até o ponto de ônibus.

- Vamos para sua casa?

- A tia tem duas casas, na verdade, menina. Uma de segunda a sexta e uma no fim-de-semana.

- Duas casas? – perguntou a menina, mais do que admirada – Se eu tivesse dinheiro para ter duas casas, compraria um castelo.

Por um instante a tia não compreendeu o que a sobrinha dizia. Mas logo soltou uma gargalhada e disse:

- Não, Karina. Eu moro em duas casas. Uma, a melhor, é a casa onde eu trabalho, que eu te disse na Bahia. A outra que é minha mesmo, quer dizer, alugada. É pra lá que eu vou nos finais de semana que eu não vou visitar vocês. Hoje é segunda, então já vamos direto para a casa grande.

- Mas não é em São Paulo as duas?

- É.

- Então porque você não volta todo o dia para sua casa? Prefere dormir na casa dos outros todo dia?

- É que é muito longe uma da outra.

- Mas se é na mesma cidade!

- Ih, já vi que você ainda há de estranhar muita coisa aqui, filha.

Karina não estranhou esse “filha”. E nem haverá de estranhar as outras tantas milhões de vezes que assim a tia a chamar. Agora, são mãe e filha, ligadas pelo desejo mútuo de aproveitarem cada vez mais e mais todas as belezas, novidades e riquezas que existem na complexa metrópole e que, na cidadezinha do interior da Bahia, apenas tinham ouvido falar.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Por 24 horas.

Ninguém sabe como foi este dia. Não há sequer um ser vivo que se lembre dele. Ninguém para ter saudades, ninguém para querer esquecê-lo.

Neste dia, no mais especial dos dias que já existiram desde que o mundo recebeu o nome de mundo, todos dormiram.

Do vírus ao homem, dos fungos aos vegetais. Todos dormiram. 24 horas dormindo.

Ah, mas como foi silencioso este dia. Nunca houve tal silêncio, calmo, melódico.

Se uma alma acordasse, sozinha, talvez morresse de pavor. Talvez ficasse assustada. Ou, talvez, alcançaria a felicidade em segundos. Entregaria-se totalmente àquele espaço em que tudo levava a crer que estava vazio, mas, na realidade, estava lotado como sempre, com todos os mesmos zilhões de seres – conhecidos ou não – que acordaram no dia seguinte como se nada tivesse acontecido.

Neste dia, por 24 horas, ninguém trabalhou. Ninguém se estressou. Ninguém buzinou. Ninguém morreu. Ninguém matou. Ninguém foi roubado, ninguém se arrependeu, ninguém chorou, ninguém sofreu. Por 1.440 minutos, não houve maldade e nem tristeza.

Mas nada disso compensou a existência deste terrível dia, em que ninguém amou. Ninguém dançou, nem cantou. Não houveram abraços, beijos, carinhos, palavras, olhares, pulos, alegria, fascinação, nem risadas. E, o pior de tudo: ninguém comeu sobremesa.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Como saber que ele é o grande amor, parte 2

Antes mesmo de dirigir seu olhar para a figura ao seu lado, Fabiana já sentia uma imensa vontade de voltar no tempo e nunca ter dito aquilo. Não. Melhor. Nunca ter visto o filme. Não! Poderia nunca ver filmes cults.

Depois de pensar por longuíssimos segundos em palavras que poderiam tirá-la da saia-justa, dirigiu seu olhar para a amiga. Esta, por sua vez, para se ver livre o quanto antes do suposto diretor, soltou:

- É, não gostamos.

Fabiana arregalou o olhar para Marcela, que deu de ombros. Ela então tomou coragem para encarar o desconhecido. E foi aí que as palavras lhe faltaram de vez.

Não porque o rapaz fosse bonito. Também não era feio: tinha seu charme. Mas alguma coisa em seus olhos não era normal. Era como se fumegassem. Não de raiva. Simplesmente fumegavam, como se soubessem de tudo, ou tivessem sede para saber de tudo. Fabiana sentiu-se transparente, de uma hora para outra.

E o rapaz sorria simplesmente, malicioso. Adorava que não gostassem de seus filmes. Fazia-os propositadamente ruins. Mas, melhor do que ouvir alguém falando mal de seu filme, era ver uma doce e delicada jovem sem palavras, querendo desculpar-se por ter criticado a obra, com medo dele, que só conseguiu que o filme fosse exibido no cinema porque o gerente era amigo de seu pai.

- Ah, não é que não gostamos, né, Má?! É que é difícil de entender mesmo. Talvez para pessoas que se liguem mais em cinema e literatura... Eu faço arquitetura, não sei nada dessas coisas.

- Qual é seu nome?

- Fabiana.

- Prazer, Fabiana. Sou Cristhian. Espero que goste mais do meu próximo filme.

- Qual é?

- Ainda não tem nome.

- Quando lança?

- Talvez no ano que vem.

- E como vou saber que lançou, então? – perguntou, desdenhosa.

- Eu deixo um aviso no cardápio daqui. Só vamos esperar para que ele não feche até lá. Mas acho que não. A freqüência aqui costuma ser boa, se é que você me entende.

Saiu.

- Babaca, disse Marcela.

Fabiana não disse nada. Pelo resto do dia.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Como saber que ele é o grande amor

Uma das maiores diversões de Fabiana era ir assistir, sempre com Marcela, a algum filme conceitual e simbolista. Do tipo cult.

As meninas eram honestas. Nenhuma nunca entendia bem o filme, e admitiam o fato. Era daí que vinha a diversão: após cada sessão, elas iam tomar um café – ou um milk shake, se uma das duas estivesse em um dia ruim – e tentavam, juntas, entendê-lo. Não era um debate sério. Nem precisava ser um grande conhecedor de cinema para participar. Estava mais para uma brincadeira, em que a conclusão final jamais representaria a verdadeira história que o diretor quis contar. Se é que quis contar alguma.

Mas as amigas não estavam preocupadas com isso, que era apenas um pretexto para que, uma vez por semana, brincassem de ser roteiristas, criando um filme ao mesmo tempo excêntrico, cômico e inteligível. A brincadeira ainda garantia que a forte amizade não acabasse com a falta de tempo que as duas recém universitárias tinham para se ver.

E foi durante um programa desses que teve início um dos grandes capítulos da vida de Fabiana. Chamava-se Como saber que ele é o grande amor, o filme que discutiam. Nunca fora tão difícil entender um filme, e, no momento, o mais importante de tudo era desvendar qualquer coisa que tivesse aparecido na tela e que pudesse ter alguma relação com o título.

- Como saber que ele é um grande amor... Que raios tem a ver as meias do cara dançarem com isso? Seria muito mais interessante se elas também cantassem – disse Fabiana soltando uma alta e gostosa risada.

Marcela, em vez de rir, olhou para uma figura que se colocava ao lado de Fabiana, com ar sério.

- É... Pois não? – disse Marcela, segurando o riso.

- Então não gostaram do meu filme? – respondeu a figura.