quinta-feira, 31 de julho de 2008

Colorindo (3a parte)

- Tudo o que vocês podem imaginar. Pronto, chegamos. Chegamos. Meninos? Vem, saiam do carro.

- Ué, você não vai comprar a camiseta pra gente?

- Vou, mas vocês acham que vou deixar o carro e a chave com vocês? Posso achar vocês gente boa, mas nos conhecemos não faz nem uma hora. Não sei o nome completo de vocês, onde vocês moram... Isso aqui é São Paulo. Não confio nem no meu irmão!

- Ta, falou. Te esperamos do lado de fora então.

Ela entrou. Pensou que talvez não encontrasse os meninos quando voltasse, mas não se preocupou muito com isso.

- Tiramos a sorte grande, Cabeça. Vamos ganhar uma camiseta, comer bem, andar no gelo, e ainda tirar 50 reais.

- É... Mas sei lá o que essa mulher ta pretendendo com a gente. Não sei não. Boba a gente já viu que ela não é.

- Não esquenta. Se for problema, a gente dá um jeito. Memorizei a placa do carro dela já. Se ela quiser fazer mal pra gente, a gente ameaça.

Veio um segurança. Perguntou o que eles queriam ali, na porta do Shopping. Disseram que estavam esperando uma moça, que iam ajudar ela a levar compras para o carro. Ele achou melhor ficar com eles esperando a tal moça.

- É aquela ali.

- Dona, você está esperando aqueles dois moleques?

- Estou sim. Eles estão comigo. Vão me ajudar com um...

- Levar compras pro carro, né? Então é verdade. Ta bom.

- Isso. Obrigada.

O segurança se afastou. Os meninos vestiram as camisetas, passaram o desodorante. Nunca se sentiram tão cheirosos. Entraram. Correram para o banheiro. Queriam se ver no espelho. Fazia tanto tempo que não se viam no espelho.

Saíram com o rosto molhado.

- Que que é isso?

- É que a gente quis lavar o rosto com aquele sabão lá. Muito cheiroso, nunca vi. E não achamos papel. Aí perguntamos pra um cara e ele disse que era um troço lá que soltava um ar quente, mas aquilo lá não seca é nada!

- É, eu sei. Tó, seca na camiseta que vocês tavam usando.

Secaram. Foram para a praça de alimentação. Compraram milk shake no Bob’s, pizza na Pizza Hut, batata no Burger King, Sunday no Mc Donalds, sanduíche no Subway, pipoca no Cinemark. Jogaram jogos eletrônicos no Jogos Eletrônicos. E, finalmente, a tão esperada pista de patinação.

- Caralho, como é frio aqui.

- É que é gelo, seu troxa.

- Cala a boca, Cabeça.

- Se liga, mano. To zuando só. Caralho! Olha quanto custa essa parada!

Ela disse que não tinha problema. Eles entraram, ela não. Não sabiam o número que calçavam. Olharam nos chinelos, mas não tinha nada neles. Experimentaram três pares diferentes de patins. Foram para a pista. Caíram. Levantaram. Caíram. Levantaram. Caíram. Levant, caíram. A instrutora veio ajudar. Conseguiram deslizar um pouco antes de cair novamente.

- To todo dolorido. – Falou Pulu, apoiado na grade da pista.

- Se quiserem sair já, tudo bem. Ainda falta tempo.

- Ta bem louca? É a melhor dor que já senti na vida!

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Colorindo (2a parte)

- Então ta. É só pedir pra alguém da loja. Aí separem e me chamem pra pagar.

Separaram. Pagou. Saíram.

- E aí? Já pensaram o que fariam com todo o dinheiro do mundo?

- Acho que eu compraria um mercado desses cheios de coisa. Bicicleta, chocolate, tevê, dvd, todas essas coisas.

- E você, Cabeça?

- O mercado não é idéia ruim não, mas, com todo o dinheiro do mundo, eu compraria o shopping... aquele lá, que tem o parque... qual é o nome? Na Marginal lá...

- Eldorado?

- É, esse mesmo!

- Pô! Verdade! O Cabeça só tem idéia boa, por isso a gente chama ele assim. Esse Shopping deve ser da hora. A mãe do Celsão, um amigo nosso, trabalha de faxineira lá. Ela disse que tem de tudo. Tem mercado, tem loja, tem restaurante, tem boliche, cinema. Até patinação no gelo disse que tem. Nossa, já pensou, patinar no gelo? Nunca vi isso!

- Mas vocês nunca entraram no shopping?

- A gente? Entrar, já entrou. Mas não durou muito não. Os seguranças não deixam.

- E eles podem fazer isso?

- O quê?

- Expulsar vocês do shopping?

- Ah, se não pode, expulsa do mesmo jeito. Quem é que vai impedir? A gente?

- E quem vai acreditar na gente quando o cara falar pra polícia que a gente tava querendo roubar?

- É, o Cabeça falou tudo. Quem acredita na gente?

- Bom, já ta na hora do almoço. O Shopping não é longe daqui. Querem ir almoçar lá? Não vai dar pra ir em tudo, porque, se não, não dá tempo de fazer o que eu tenho que fazer. Mas pelo menos o almoço e a patinação no gelo eu garanto.

- Pô, irado. Mas como a gente vai entrar assim? Vão achar estranho, uma moça como você, com a gente.

- Ai... Verdade. Faz assim. Eu entro antes. Vou numa loja, compro uma camiseta limpa pra vocês. Acho que só precisa disso.

- É, se pá a camiseta só dá.

- E um desodorante. (pausa). Ah, gente, desculpa. Mas vocês são meninos que ficam horas de baixo do sol. Acham mesmo que não vem cheiro.

- Você que sabe, é você que vai pagar.

- Combinado, então. Já estamos chegando, vão pensando onde vão querer comer. Tem tudo o que vocês podem imaginar.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Como fazer um comentário

Atendendo a pedidos:

"Como faço para comentar um texto (também conhecido como post)?"

1) Vá até o final do texto que gostaria de comentar. Lá estará escrito:
"Postado por Diana às x horas x comentários
Marcadores: x"
Sendo que x é um número qualquer.

2) Clique em "x comentários" uma vez com o mouse. Não clique no envelope. Ele é outra coisa. Após o clique, uma janela deverá aparecer. Caso não apareça, é porque o seu computador deve ter um bloqueador de pop-up. Nesse caso, ou chame algum jovem próximo que entenda sobre isso, ou tente o seguinte:

2a) Sob a barra do internet explorer provavelmente está escrito algo como: "Pop-up bloqueada. Clique aqui para desbloquear a pop-up temporariamente."

3) Após aberta a janela, faça o seu comentário na caixa debaixo dos dizeres "Faça um comentário". Ignore o que está escrito embaixo, "Você pode usar algumas tags HTML, como < b >, < i >, < a > ". Isso não é importante.

4) Agora, você deve escolher uma identidade. Você não vai entender todas as opções, então fique com a mais simples, a "Nome/URL". Clique na bolinha do lado esquerdo dessa opção. Vai aparecer então uma opção para você escrever seu nome, e outra para você escrever sua URL. Escreva apenas o seu nome, ou um apelido. O que quiser.

Outra opção é clicar na bolinha ao lado de Anônimo, caso você não queira que eu ou outros leitores saibam quem você é.

5) Clique em "Publicar Comentário"

6) Pronto. Seu comentários foi publicado!

Colorindo (1a parte)

Virando à esquerda, encontrando finalmente o seu caminho, teve uma súbita vontade de levar a sério uma idéia antiga.

O semáforo ficou vermelho. Parou o carro. Era domingo, não havia nenhum outro veículo na rua, nem pessoas, a exceção de dois meninos de rua. A situação não poderia ser mais perfeita.

Um dos meninos começou a lançar bolas para o outro. Ela saiu do carro. Eles se assustaram, e pararam com as bolas.

- Preciso de uma ajuda.

- O que é? – perguntou um deles.

- Se eu disser vocês não vão acreditar. Prometo que não vou fazer nada de mal com vocês, mas vocês também têm que prometer que não farão nada de mal comigo. Não pretendo dar dinheiro para vocês, mas garanto que irão se divertir.

- Precisamos de dinheiro. Se formos com você, é um dia sem receber nada além do que já recebemos. Que não dá quase nada. Nosso pai é gente boa, mas o que que a gente vai falar pra ele quando chegarmos em casa?

- Ok, verdade. Não pensei nisso. Quanto vocês precisam?

- Cem reais pra cada um fecha.

- Haha! Eu também não sou besta! Vocês não fariam 200 reais aqui nunca!

- Então ficamos aqui.

- 50 para cada um? Mais o almoço de hoje.

- Ta fechado.

- Entrem aí.

- Oh, Cabeça, por que você que vai na frente? Sai daí, cara.

- Vocês revezam. Deixa o... Cabeça ir na frente agora. Qual é o seu nome?

- Pulu.

- Então, Pulu, você vai na frente mais tarde.

Entraram. Ela perguntou-lhes as idades. Ambos tinham 13. Mais ou menos. “Deve ser por volta disso”, disse Pulu, mais falante, deitado nos bancos de trás. Era a primeira vez que andavam de carro. Ela teve que insistir muito para que Cabeça colocasse o cinto de segurança. Ensinou a ele como se mexia no rádio. Ele ficou brincando de escolher música. Mas preferiu ouvir notícia. Ela tentou saber onde eles moravam, como viviam, mas:

- Faz assim: nós não perguntamos onde você mora, não perguntamos quanto dinheiro você tem, não perguntamos se você tem família, e você pára de querer saber da nossa vida.

Ela concordou. Só:

- Só me deixa eu perguntar mais duas coisas. Por favor. Se quiser não precisa responder. Do que vocês mais gostam na vida?

- Sei lá. Na vida não tem o que gostar não.

- Eu gosto de batata frita – respondeu Cabeça.

- É... Taí. Batata frita. Mandou bem, Cabeça.

- E se vocês tivessem todo o dinheiro do mundo, com o que gastariam?

- Essa é difícil dona. Vou ter que pensar.

- Então vai pensando porque chegamos no nosso primeiro destino: a loja de tintas. Vamos entrar. Eu vou pedir uma tinta roxa e uma rosa. Vocês podem escolher da cor que quiserem, mas não pode ser nem preto nem cinza. Nem amarelo.

- Pra que que é toda essa tinta? Vamos pintar sua casa? Hahaha

- Não minha casa. Mas vamos pintar. Vai ser divertido, confia em mim.

- Fechou. Cabeça, que cor você vai pegar?

- Azul. E você?

- Não sei. Mas olha que cor bonita naquela parede. É um verde claro.

- Chama verde-água.

- Vou querer essa aí.

- Então ta. É só pedir pra alguém da loja. Aí separem e me chamem pra pagar.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A paisagem e a cadeia alimentar

- Você tá vendo, não tá?

- O quê? A paisagem? É linda mesmo... Sua irmã tinha razão sobre as montanhas. Parecem... que querem ser escaladas.

- São de fato extraordinárias. Mas não é delas que estou falando. Lá embaixo, atrás daquela ali, tem um rio. Tá vendo? Ali. Tem umas casinhas gêmeas, que minha mãe acha lindas, mas eu na verdade acho um pouco cafonas. Aí, à direita delas, tem o rio.

- Ah, to vendo. Que que tem?

- O que será que aconteceria se eu pulasse até ele?

- Como assim, "pulasse até ele"?

- Pulasse até ele, oras. Simples. Eu passasse essa grade, desse um pulo, e caísse sobre ele. O que será que aconteceria?

- Como assim??? Você ficou louco? "Pular sobre ele"... E você pergunta como se perguntasse o que eu quero comer de jantar. Tá tudo bem com você?

- Tá, não estou entendendo a sua raiva. Não estou falando que vou pular. Só fiquei curioso para saber o que aconteceria.

- Quer saber o que aconteceria se você MORRESSE??? Isso é o quê? Um acesso de arrogância? Você quer saber como eu ficaria sem você? É um pedido para ouvir como você é importante para mim?

- Calma, tanbém não precisa chor..

- Ah, não? Você me pergunta como eu ficaria se meu namorado resolvesse se jogar a 20 metros de altura, dois dias antes do nosso casamento, e não espera que eu chore. Essa é ótima. Mas eu só vou te dizer uma coisa, que no fundo sei que é o que você queria ouvir: eu te amo, e se você se afundar naquele lago, toda a minha felicidade, meu ar, afundará com você.

- Meu deus, acho que na verdade você não entendeu nada! Pra começar, o rio é raso, então eu nem afundaria. E não foi essa minha pergunta. Não quero saber o que aconteceria com você, quer dizer, obrigada pelas suas palavras. Agora fiquei meio sem jeito. (pausa) Mas minha dúvida é: se eu pular até lá, se meu corpo chegar até lá, chega inteiro? Se chegar, e a correnteza não me levar para margem, será que transformo a cadeia alimentar dos seres do rio?

- Quê???- Nossa, se for um grande choque para os vizinhos das casas, será que eles mudarão um pouco o jeito de olhar pro mundo e pra linda paisagem?

- Desisto, você de fato enlouqueceu.

- Se eles deixassem de ser cafonas, talvez até valesse a pena.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Absurdos acadêmicos

Fabiana resolveu ir mais cedo para a academia naquele dia. Ela sabia que Marcela estava indo todos os dias de manhã, e como fazia tempo que não encontrava a amiga, resolveu arriscar, mesmo que de última hora e sem telefonar.

- Má!!!

- Fabi!!

- Que cara é essa, amiga?

- Ai, Fabi, to puta! – começando a chorar – Não agüento mais esse lugar. Odeio essa academia. Odeio essas pessoas. Quero ir embora.

- Calma, amiga, o que aconteceu? Eu to aqui. Vamos. Você vai fazer esteira agora?

- É, eu tava fazendo, mas me expulsaram de lá.

- Quem?

- Aquela imbecil de camiseta branca. Dez milhões de esteiras livres e ela tem que querer a que eu to! E que regra imbecil é essa de que tem que marcar horário? Porque ninguém me avisa dessas regras. Ai, que ódio!

- Você ta de TPM, né? Má! Chorar por que te expulsaram da esteira?

- Eu sei que é imbecil. Sei lá. Acho que eu não consigo brigar com as pessoas aí eu choro. Mas também não teria chorado se não tivesse te encontrado – riem.

- Bom, vamos fazer naquelas duas. Calma... Não tem jeito, aqui é assim mesmo, só que tinham que ter te avisado.

Começam a fazer esteira juntas.

- Então – se acalmando – uma vez me expulsaram da esteira já porque a mulher tinha pego a senha e foi se alongar. Aí eu peguei a esteira dela. Ok, já achei um absurdo porque eu já tava há um tempo e ninguém tinha me avisado nada de senha, mas a mulher tinha chegado antes. Só que hoje... Eu cheguei antes, só que não avisei que tava indo na esteira. Aí chega a menina, pede justo a esteira que eu to, e dão, porque eu não marquei??? Porra, não tão vendo que eu to lá??? Não dá na mesma do que ter marcado? Eu já tava lá! Há 10 minutos! Eu não paro a esteira nem pra beber água. Eu tava correndo, não posso parar, preciso melhorar minha resistência. Por isso eu acordei cedo. Aí vem uma imbecil e me tira de lá. E me mandam pra outra que nem tava funcionando! Sério, Fabi, eu não sei o que me revolta mais: esse sistema imbecil que tem que marcar que você vai pra esteira ou essas pessoas imbecis que expulsam você da esteira sendo que tem outras dez livres!

- Mas é importante marcar que você ta em alguma esteira, Má. Pensa: você sai pra ir no banheiro, volta, e tão na sua. E se não tiver outra livre? É chato, mas tem que ter isso.

- Então, com isso eu até concordo. Foi o que aconteceu da outra vez e eu só fiquei puta porque ninguém me avisou que isso existia aqui. Tinha que ter um aviso. Mas dessa vez... Eu cheguei primeiro. A menina chegou dez minutos depois de mim. Disse: eu quero ir na esteira 8. A mulher viu que tava ocupada. Mas como eu não avisei, ela falou pra menina me expulsar! É ridículo isso! Não faz nenhum sentido! O que importa que eu não disse “Estou indo na esteira 8”? Eu não to lá? Não cheguei antes? Que regras ridículas são essas? Vou reclamar, juro.

- De boa, Má, desencana. Não vai adiantar. E quem faz as regras nem são as mulheres lá da frente. O negócio e aderir ao sistema. Toda vez quando você chegar avisa que você está indo em determinada esteira. E pronto, isso não vai mais acontecer.

- Sabe o que eu vou fazer? Todo dia vou ver quem está na esteira e não marcou. E vou pedir a da pessoa. E vou fazer isso de 5 em 5 minutos, expulsando todo mundo. Fazendo todo mundo mudar de esteira. Essa que a gente ta é mais lenta? To correndo 10 km por hora. Na outra corro 9.

- Acho que não.

- É, a raiva me dá mais resistência.

- Ai, Má...

quinta-feira, 24 de julho de 2008

O fim

Nunca mais Ângela viu Gustavo. E a conversa com Rodrigo também não existiu. Não porque o marido tivesse ficado muito decepcionado, coração partido, nada disso. Em verdade, o ocorrido foi um felicíssimo acaso para ele, que há quatro anos mantinha uma amante, a quem, havia dois anos, havia prometido que terminaria o casamento.

Mas, como a todo homem, faltava-lhe coragem. Fora o medo que tinha de que os filhos ficassem do lado da mãe, o que certamente aconteceria. Ângela, porém, deixou tudo mais simples. Agora ele saía como bom homem de coração partido e com o apoio dos filhos. Não precisaria mais agüentar a mulher, a amante ficaria felicíssima com a notícia e só teria que aguardar uns três meses mais para poder mostrar a cara sem o risco de que alguém desconfiasse que a relação existia há muito mais tempo.

Rodrigo, em suma, se deu bem.

Já Ângela perdeu o amigo que tanto amava, que tanto queria que virasse amante, mas que havia rejeitado, em nome de sua família. Família que ela perdeu também. Os dois filhos foram, naquele dia, dormir em casa de amigos. E não voltariam mais para casa, se não uma vez ou outra para pegar alguma coisa.

Odiavam a mãe. Mais do que tudo. E idolatravam o pai.

Ângela chegou a pensar em suicídio. Não teria coragem. Tentou ligar para Gustavo todos os dias durante um mês. Até que tomou coragem e perguntou a Dona Inês o que tinha acontecido com o filho.

- Mudou de telefone. Eu te entendo, Ângela, não te condeno pelo que fez, pela sua escolha. Mas esquece meu filho. Ele mesmo não quer te ver nem pintada.

Ela chorou por dois meses seguidos, sem ninguém para consolá-la. Ninguém.

A não ser Karina, a filha da empregada.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Ode à melancia

Dizem que fazes meleca
Reclamam de tuas sementes
Mas, ó melancia, fiques certa
Defender-te-ei com unhas e dentes

Clamarei a verdade sobre tu
Que és tão mal compreendida
Pois nasceu para ser suco
E não fruta repartida

Atire a primeira pedra
Aquele que não se deliciar
Com o primeiro gole
Durante um longo jantar

terça-feira, 22 de julho de 2008

Contanto que me seja conveniente

A jovem menina não se sente bem na escola de crianças ricas e mimadas que seus pais a matricularam.

Após dez anos estudando lá, ela percebe que talvez o problema não seja ela, e sim os outros. Ela se vê como o Patinho Feio. É sempre mais legal se ver como protagonista de uma história. Ela acha que é sim normal, mas não para aquele ambiente. Ela muda de escola, mas apenas porque os pais percebem que a outra não é boa para se entrar em uma boa faculdade.

Aí, na nova escola, mais da metade dos alunos se dizem comunistas e há boatos de que alguns professores são anarquistas. A menina se encontra – e só então, na realidade, ela percebe mesmo que era normal mas que estava no lugar errado. Aí ela percebe que tem outras pessoas que preferem Toquinho a Back Street Boys e que preferem ir para escola com calça de pijama do que com calça jeans. Ela fica mó feliz. E resolve que quer mudar o mundo.

Aí ela continua querendo mudar o mundo de alguma maneira. Aí ela participa de vários trabalhos voluntários. E gosta. Muito. Aí ela percebe que querer mudar o mundo é ambicioso demais, e passa apenas a querer fazer algo pelo mundo. Pequenas ajudas bastam.

Então ela termina o colégio. Começa cursinho. Não há mais trabalho voluntário para ela participar. Não há tempo. Então ela entra na faculdade. Há tempo, mas parece não haver trabalho. Ela vai deixando a ideologia para depois. Fica triste. Mas não faz nada. Mas não há o que fazer. Mas ela devia fazer algo. Mas o quê? Ir atrás, procurar. Sempre há o que fazer. Mas onde? Como? Deixa pra depois.

Aí um dia uma juíza acha que há sim uma forma simples de ela ajudar o país. É uma pequena ajuda, mas necessária. Trata-se de uma juíza eleitoral. E então a moça recebe a seguinte carta:

“Comunico que V.Sa. foi escolhido(a) para compor Mesa Receptora de Votos nas eleições de 05/10/2008 (...) Sua participação, juntamente com milhares de eleitores que foram convocados para esse fim, será de extrema importância para a lisura e transparência do processo eleitoral (...) Esclareço que o serviço eleitoral (...) é obrigatório (...) sujeitando-se a processo por crime eleitoral aquele que não se apresentar”.

A menina deveria dar pulos de alegria, certo? Ela sempre quis ajudar o país, não é? Então por que ficar desesperada? Por que a raiva?

Porque, no fundo, ninguém quer ajudar país nenhum, a não ser que lhe seja conveniente.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Em troca

- Karina! Ô, filha! Que estojo bonito é esse que você trouxe pra casa hoje?

- Estojo?

- É, esse rosa. Achei na sua mochila. Tava procurando uma tesoura emprestada.

- Ah, esse. É bonito, né? É da Aline, uma menina do colégio.

- E por que ta com você?

- É uma história meio longa... Mas eu vou devolver amanhã.

- História longa? Sua filha deu pra roubar agora? – intrometeu-se Ângela, que estava ouvindo a conversa.

- Não! Juro que não roubei! Vou devolver!

- Bom, filha. Conta pra gente o que aconteceu. Você ta parecendo meio nervosa...

- Ta, é que acho que vocês vão me achar esquisita, que nem todo o mundo lá no colégio.

- Não vamos não. Pode falar. A gente promete, não é, Dona Ângela?

- Vamos ver... Conta o que aconteceu.

- Assim: Lá no colégio ta todo mundo colecionando esses selinhos que vem com o Toddynho, sabe? Mas todo mundo só tem poucos, porque a mãe não fica comprando muito, né, por causa do dinheiro. Aí eles conseguem no supermercado, se sobra, se o toddynho fica vencido... – observando os olhares – eu falei que a história era longa!

- Continua, filha.

- Então, só que eu tenho um monte, né, porque o Pedro me dá todos os selinhos dele, e ainda tem os que minha mãe mesmo me compra... Aí me vieram três repetidos, e justo é um que ninguém tem. É muito brilhante, dizem que é raro. E a Aline tava louquinha pra conseguir um desses já faz um tempão. Vocês precisam ver. Nunca vi ninguém gostar tanto de coisa que brilha! Aí, como eu tinha três, perguntei se ela queria um.

- E pegou o estojo dela por causa de um selinho? Mas que absurdo! Se eu fosse sua mãe te dava um castigo!

- Não é isso! Eu não queria nada em troca. Tava sobrando. Mas os outros colegas ouviram e começaram a me chamar de besta, de boba. Ficaram dizendo que era muito raro o selinho, que eu tinha que trocar por outros selinhos ou por outra coisa, mas que eu tava sendo idiota. Todo mundo ficou tirando sarro da minha cara. E aí a Aline disse que eles tinham razão e falou que trocava o estojo dela pelo selinho. Aí, pra todo mundo parar de brigar comigo, eu aceitei. E peguei. Mas já combinei com ela que depois eu devolvo escondido e ela finge que a mãe dela comprou outro pra ela.

- E vai ficar sem nada em troca mesmo? – perguntou Dona Ângela.

- Mas se o selinho ta sobrando, se eu tenho um igual, por que preciso de algo em troca?

- Porque você pode ter algo em troca.

- Mas não é justo. Não custou nada pra mim.

- Essa menina é muito estranha mesmo...

- Ela só é nova na cidade, Dona Ângela. Vai se acostumar ainda.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Volte segunda!

Se eu fui embora segunda e voltei quarta, posso ir embora quarta e voltar segunda. Uma semana de férias. Justo!

Volte segunda! Volte segunda! Volte segunda!

Aniversário sem bolo

Era o aniversário de Ângela. Haveria, como sempre, um bolinho em casa para a família, após o jantar. A tarde seria a mesma de todos os dias, se não fosse por uma ligação de Gustavo:

- Depois da aula eu vou te buscar. Quero ficar com você essa tarde toda.

Acabou a aula. Ângela saiu. Avistou seu amado com flores e bombons. Achou arriscado. Chamava muita atenção.

- Minha mãe sabe de tudo, já.

Ângela não gostou nem um pouco da situação. Ou melhor, um pouco, ela se derreteu. Flores e chocolates nas mãos do homem que amava... Mas as pessoas iriam falar. Isso não podia ser bom.

- Não mereço um beijo?

Ainda isso! Um selinho. Rápido. Depois de ver se ninguém estava olhando.

- Só isso?

- Eu tenho marido!

- Mãe! – gritou uma voz ao longe.

Por um infeliz acaso, marido e filhos resolveram fazer uma surpresa à mãe naquele ano. Não, eles não viram o beijo. Em verdade, não viram nada que pudesse comprometer Ângela, a não ser as flores e bombons em sua mão e sua cara de surpresa desagradável quando os viu.

- Quem é você? – perguntou Rodrigo, mais preocupado com o fato de ser um corno do que por estar perdendo a mulher.

- Sou... Um amigo de Ângela. E você?

- O marido! Um amigo que dá flores e bombons? Ângela, há quanto tempo você decidiu fazer outras amizades, hein?

Ângela não sabia que o beijo não havia sido visto. Ficou com medo de garantir que eram apenas amigos e ouvir esfregarem-lhe na cara o beijo. Sem saber o que dizer, respondeu:

- Não é nada.

- Ângela, chegou a hora – disse Gustavo.

- Hora de quê? – perguntou Rodrigo.

- E então, Ângela? O que vai fazer?

- Hora? Eu também não sei que hora ele ta falando. Mas sei que é hora de falar pra esse cara aí parar de ficar me mandando flores e bombons. Ele não entende que seu amor não é correspondido!

Todos olharam perplexos. Fabiana, que estava sendo consolada pelo irmão, por um instante voltou a acreditar na mãe.

- Não precisa vir buscar as calcinhas que você deixou na minha casa. Eu deixo na sua portaria.

E pronto. A choradeira voltou. Rodrigo virou as costas. Ângela foi atrás dele gritando que era mentira. Ele pediu para conversarem em casa, pois já haviam chamado muita atenção. Deu dinheiro para que Ângela pegasse um táxi.

Quanto a Gustavo, foi o fim da relação. Nunca mais Ângela o viu.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Outro amor

Marcaram uma noite em que Gustavo provaria a ela que seu chocolate quente com conhaque ultrapassava de longe aquele drink com licor de café que Ângela, enquanto bebia, dizia ser a melhor coisa do mundo.

Tiveram a noite. E muitas outras. Apenas como belíssimos amigos, que se amavam cada dia mais. Passaram a ser necessários um para o outro. Ângela queria beijá-lo como nunca quis beijar ninguém antes. Era como se ela finalmente entendesse porque amantes se beijavam – até então, para ela, o beijo só acontecia por uma convenção social: quando um e outro se gostavam, um e outro se beijavam. Simples assim.

Mas com Gustavo... Como ela queria beijá-lo! Precisava beijá-lo! Mas não, tinha marido, tinha filhos. Amava os filhos. Amava o marido. Amava? Talvez não amasse tanto assim quanto pensava. Sempre achara que o sentimento que tinha era de amor, mas não. O que sentia por Gustavo, isso sim, era amor. Só podia ser. Mais que amor.

- O que está pensando? – perguntou Gustavo enquanto dava para ela provar um pedaço de pão com fondue.

- Que é o melhor fondue que eu já comi.

- Antes disso, engraçadinha.

- Que eu te amo como nunca jamais amei ninguém. Que eu quero ser toda sua, e quero poder te chamar de meu. Que, apesar de esse ser o melhor fondue do mundo, o que eu mais queria era desmanchar toda essa linda mesa e me entregar para você. Aqui. Já. – pensou. E respondeu: - Que eu te amo.

- Eu também te amo – respondeu Gustavo com a maior naturalidade – Por isso não entendo porque você não deixa eu beijá-la. Quero tanto...

- Não entende? Eu sou casada!

- E daí? Descasa. É tão simples. Você já mal vê seu marido. Qual a diferença?

- Não posso. Eu não sou assim. Tenho filhos!

- Puxa, agora você tocou em um ponto importante – irônico – hoje em dia uma mulher com filhos que se separa pode até ir para prisão!

- Seu bobo.

Riram os dois. Deixaram o assunto pra lá. Comeram. Beberam. Passaram mais uma noite maravilhosa, sem que a intimidade física passasse de um abraço. Ângela sentia-se uma garota boba e sonhadora. Gustavo começava a pensar que sua amada jamais cederia, e que logo ele acabaria se rendendo, mais uma vez, às moças fúteis do clube que sempre se jogavam sobre ele. Por isso, ao se despedirem, disse:

- Não quero ser o destruidor de famílias. Mas te amo e sei que você me ama. Sei que te faço feliz. Sinto isso. Mas me sinto um idiota toda vez você vai embora, encontrar seu marido. Eu... Não sei mais o que te dizer. Pense no que eu te falei, ta bom? Não quero ser um idiota esperando uma mulher que nunca vai corresponder completamente.

- Você não é idiota.

- Então me beija.

- Não posso. Já expliquei.

Gustavo a beijou. Ângela sentiu seus joelhos afrouxando. Agarrou-se ao pescoço do amado. Pediu desculpas. Foi embora.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

A morte de Théo

- Vem logo, Théo!

- Não, não vou.

- Entra!

- Já disse que não.

- Ah, você é muito cabeção mesmo. Vem logo. Ou...

- O quê? Você vem aqui se arriscar?

- Ai, não faz isso. É sacanagem. Ta todo mundo lá dentro. Você é meu melhor amigo. Eu arriscaria tudo por você mas isso já é bobagem. Todo mundo sabe que não tem segunda chance pra quem fica de fora.

- Não me importa.

- Como não te importa, Théo? Como não? Isso é suicídio.

- Não é, não. Suicídio é querer se matar. Eu não quero me matar.

- Então sai daí.

- Não.

- Então quer se matar.

- Não.

- Não to mais entendendo nada. Você quer morrer ou não quer?

- Claro que não quero. Já disse!

- Então por que não entra de vez? Ai, meu deus! O céu. O céu já escureceu. Olha. Olha. Nem dá mais pra ver o sol. Logo logo...

- Isso significa que falta pouco! Estou tão emocionado, Caio! Não estrague esse meu momento. Se quiser me fazer companhia pode ficar. Se não vai pra dentro com os outros.

- E te deixar morrer aí?

- O que posso fazer. É esse o meu grande sonho. Sempre nos dizem que devemos fazer de tudo para ir atrás de nossos sonhos. Esse é o meu.

- Morrer afogado é o seu grande sonho?

- Não. É sentir a chuva. Ver de perto. Como água pode causar um barulho tão estrondoso assim. Tão melódico. Tão... Você já reparou como parece uma orquestra?
- É isso, então? Você vai arriscar a própria vida para ver a chuva?

-Vou.

- Mas se nunca nenhuma formiga sobreviveu a ela...

- Não me importa. Olha! O chão. Já está úmido. Logo chega aqui. Melhor você entrar.

- Théo! Eu te imploro! Entra!

- Obrigado por se importar tanto, Caio. Mas ta tudo bem, é verdade. Não se sinta culpado pela minha morte. Morrerei a mais feliz de todas as formigas. Prometo. Será a morte mais deliciosa. Tenho certeza de que valerá a pena. Não estou louco, não pense isso. Só... Entra, vai. Este é o meu sonho, não o seu. Entra. Fica bem. Pode ficar com minha reserva de açúcar. É tosa sua. Você sabe onde eu escondo. Vai. Seja feliz.

- Você me deixa sem palavras, meu amigo. Tem razão. Não posso fazer mais nada. Tente sobreviver, pelo menos. Por favor.

- Adeus.

- Adeus... Ah! Obrigado pelo açúcar.

- Não tem problema.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Como se não houvesse amanhã

Faz-me feliz, muito feliz. Encha-me de alegrias e prazeres. Tira de minha cabeça quaisquer problemas. Não, por favor. Não seja assim tão efêmero. Dura o tempo que eu quero. Renda. Rendo-me.

Tenha múltiplas facetas se quiseres. Não me importa. Até prefiro. Seja cada hora um, sempre diferente, sempre delicioso. Sempre fantástico, sempre sagaz, sempre com a qualidade de quem foi cuidadosamente preparado para esse momento de deleite.

Venha, cumpra seu papel. Conceda-me esse momento tão especial. Tão único para quem luta contra as próprias vontades para não cometer tamanho pecado. Um momento tão verdadeiro.

Preciso de você, não posso mais. Não me importo mais com o que os outros dirão. Só quero você. Ó, vício. Ó, vício.

Ó, senhor chocolate, por favor: derreta em minha boca como se não houvesse amanhã.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Uma vontade anormal de ser abraçada

Vamos sair de novo sim. Semana que vem. No mesmo horário.

Seis dias depois, à noite, Ângela mal conseguia dormir pensando no encontro. Ou melhor, no... café. Afinal, era só um café. Não era um encontro. Era um café com um amigo. Que bobagem. Apenas um café.

Sentiu vontade de comentar a história com o marido, mas teve medo de que ele se irritasse e proibisse o programa, que Ângela mal via a hora de acontecer, tão ansiosa estava. Ansiosa, aflita, feliz.

Dez minutos antes de a aula acabar, sentia a boca seca, o estômago vazio, um frio estranho, uma vontade anormal de ser abraçada.

- Está melhor hoje?

- Estou, mas sabe que coisa estranha? Sinto minha boca seca, o estômago vazio, um frio estranho, uma vontade anormal de ser abraçada.

Ângela disse assim de impulso. Assustou-se com sua súbita honestidade. Constrangeu-se.

Gustavo fazia isso com ela. Ele via através dela, que nada podia – e nem queria – esconder.

- Vamos ver então... Garçom, uma água, é..., dois pedaços de bolo...

- Bolo? Mas eu não...

- Não ta com um vazio no estômago?

- Não sei. Não é bem isso.

- Ih, mulheres! Só a água então.

- Sim, senhor.

- Agora, o frio a gente resolve também com um abraço.

E, dizendo isso, arrastou a cadeira para perto da de Ângela. Envolveu-a em seus braço por dois longos minutos.

- Melhor agora?

- Como não? Depois de um abraço desses... Estou ótima!

- O frio passou?

- Passou.

- E a fome?

- Hum...

Os dois riram.

- Doce ou salgado?

- Por que não doce e salgado?

- Vejo que alguém acordou mais disposta hoje. Adorei!

Conversaram. Riram. Comeram. Beberam. Ficaram alegrinhos. Se abraçaram mais. Falaram sobre bebidas. Sobre comidas que combinavam com bebidas. Sobre bebidas que combinavam com comidas. Marcaram uma noite em que Gustavo provaria a ela que seu chocolate quente com conhaque ultrapassava de longe aquele drink com licor de café que Ângela, enquanto bebia, dizia ser a melhor coisa do mundo.

sábado, 5 de julho de 2008

Volte quarta!

Segunda e terça não haverá postagem. Mas a partir de quarta o Só a Cereja voltará a ativa.

São apenas dois dias, não o abandonem!

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Bad hair day

- Muito bem. Vocês todos já estão bem descansados. Dormiram, tomaram banho. Estão limpinhos. Então agora façam o favor de me obedecer. Ouçam minhas indicações sem reclamar. Sem rebeldia, por favor.

Então eu vou falando, vou orientando vocês com minha mão, e vocês vão se posicionando onde eu mandar, ok? Se precisarem de alguma coisa, água, massagem com hidratante, vão pedindo. Mas um grupo de cada vez.

Lá no fundão, vocês. Abaixem, por favor. Mais. Uns de vocês ainda não estão próximos o suficiente da maioria do grupo, queiram me obedecer, por gentileza. Ok, aí vai... Água, massagem... Mais massagem? Mais massagem. E agora? Nada ainda! Por favor. Olha, vão se posicionando mais para baixo eu vou agora orientar as fileira laterais.

Olha só: a fileira da direita deve se aglomerar mais em direção à da esquerda, e vice-versa. Isso, ta melhorando. Ei, vocês, que estão mais pra frente, podem ir mais para trás, por favor? Tá ótimo.

Agora todos prestem bastante atenção aqui! Tão me ouvindo, todos?

Vou fazer uma massagem com bastante hidratante agora. Enquanto eu faço isso, em quem eu for tocando vai formando com o corpo espirais, mas não individualmente. Unam-se uns aos outros formando grossas espirais, ok?

Isso, o pessoal do meio está indo muitíssimo bem! Lá atrás... Isso... Vocês ainda não estão completamente unidos, não é, mas estão no caminho. Continuem assim.

Quem está me preocupando no momento é o pessoal de cima. Gente, eu sei que vocês são menores e ainda não têm peso para cair, mas aproveitem o hidratante e tentem ficar grudados aos demais. É muito importante que vocês consigam isso. Tenho aqui um pouco de silicone, que pode ajudar vocês, mas só posso usar bem pouco mesmo, porque se usar demais, vocês ficam muito brilhantes e melados.

Isso, isso, isso. Está perfeito! Vou tomar café e volto daqui uns 15 minutos para ver se precisam de um último reparo.

...

Oh, não, mas vocês não podiam ficar parados por 15 minutos. Vamos lá, tudo de novo. Mas dessa vez quero que vocês fiquem na posição por pelo menos uma hora. Muito bem, pessoal do fundão...

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Burocracia Kafkiniana

- Moça, esqueci minha carteirinha.

- Documento, por favor.

- To sem.

- Então não pode entrar.

- Mas moça. Eu guardo a carteirinha na carteira, junto com o documento. Esqueci a carteira, então to sem nada.

- Sinto muito. Sem documento, não entra.

- Mas eu tenho prova, já to atrasada...

- Tudo bem, vai. Só dessa vez. Está avisado. Seu nome.

- Diana. Vou soletrar. Ésse, ze, ipsilon, éle, i, te.

- Não to achando...

- Bom, mas tem que estar aí. Até ontem eu entrava normalmente nesta faculdade.

- Como se escreve Diana?

- Normal. De, i, a, ene, a.

- Um ene só?

- É.

- Soletra seu sobrenome de novo, por favor.

- Ésse, ze, ipsilon, éle, i, te.

- E o outro?

- Outro o quê?

- Sobrenome.

- Só tenho esse.

- É só Diana Ssszzzzzzliti?

- É.

- Hum... Tem certeza que é Diana com um ene só?

- É meu nome! Claro que tenho.
- Não consta.

- Como assim não consta? Eu pago mensalidade!

- Me fala seu rg.

- 33116116...

- 116, ta.

- Não, são duas vezes. Onze meia, onze meia.

- Como assim?

- Você tem um papel aí. Eu escrevo pra você meu nome meu sobrenome e meu rg

- Aqui.

- Tó.

- Diana... Você já esqueceu sua carteirinha alguma vez?

- Nunca!

- Ah, você não me avisou! Eu tava olhando na lista de quem já esqueceu.

- Ah, me desculpa. Eu devia ter esquecido minha carteirinha mais vezes mesmo...

- Olha pra foto. (...) Pode passar.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Entrando na rotina

Também, não é que Karina tenha virado a Gata Borralheira. Nem que tenha se tornado odiada pela família que tão bem a recebera.

Aos poucos, o assunto de ela não gostar de estudar foi sendo esquecido. Era sinceramente bem quista por todos. Almoçava com todos, assistia à televisão com todos. Isto é: só quando mostrava a Ângela que havia terminado o dever.

Estava feliz.

Falava com os pais verdadeiros, pelo telefone, uma vez por mês. Poderia ser mais, mas a tia achou melhor assim, para facilitar o rompimento.

Não manteve contato com ninguém da velha escola. Mas não tinha saudades. Os colegas foram substituídos um a um por outros novos, correspondentes. Às vezes combinavam de, após o almoço, encontrarem-se do Parque do Ibirapuera para jogar bola. Meninos e meninas, juntos. O Parque era próximo à escola e, por isso, não havia problema em irem sozinhos, sem adultos.

Às mil maravilhas. Boa rotina. Até um passeio ao Hoppy Hari já estava programado para agosto, quando Karina faria 11 anos. Desenho animado. Danoninho. Espelhos. Chocolate À vontade. Amigos. Atenção e proteção.

A única dificuldade eram as tarefas da escola. Iam ficando mais e mais complicadas a cada semana. Fabiana a ajudava bastante, é verdade. Mas não tinha uma didática boa. No início de junho, quando a semana de provas estava para começar, Ângela achou melhor chamar um professor particular, só para garantir. Karina achou desnecessário, mas compareceu à aula – fisicamente, apenas.

O professor de nada se queixou. Se dissesse que era inútil forçar a menina a estudar, deixaria de receber 200 reais por apenas 4 horas de trabalho. Ficou quieto. Karina também. Chegou a semana de provas. As notas da pequena foram 5 ou 6 em todas as matérias. A mãe ficou satisfeita, Ângela recomendou o professor para todas as amigas que tinham filhos com problemas no colégio.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Viajar para longe

É respirar diferente, é ver diferente, é comer diferente. É dormir em uma cama especial, acordar sempre para um dia único. Sempre, cada dia. Um só dia.

É experimentar cada pisada no chão. Cada porta aberta. Cada vento forte, cada sol no rosto. É comer, comer e comer.

Fora, tudo pode. Fora, tudo precisa. Não se perde nada. Fora se pode ser ridículo. Gritar bem alto. Correr loucamente. Fora, ninguém te conhece.

Converse, muito. Em português. Mesmo se estiver sozinho. Só pelo imenso sentimento de satisfação que dá o fato de, um, poder falar qualquer coisa já que ninguém vai entender, e, dois, despertar o interesse das pessoas em volta, curiosas para saber que língua estranha é essa, e tentando captar entonações na esperança de talvez adivinhar ao menos o humor do falante.

Converse, muito. Em inglês. Você pode se surpreender de sua capacidade. Descubra os mais fantásticos lugares que nunca nenhum turista pisou. Descubra os mais fantásticos lugares que todo o turista não deixa de ir. E peça a um japonês para tirar a foto.

Jogue moeda na fonte. Em todas as fontes. E peça sempre: “Desejo voltar aqui ainda nesta vida”.

Tire fotos. Muitas fotos. Mas fotos para si, não para os amigos que pediram fotos. E tenha a certeza de que os olhos viram mais do que a lente da máquina.

Compre muitos presentes. Mas presentes para si. Não se preocupe com os amigos. Eles ficaram tão satisfeitos com um chaveiro que você ficou duas horas escolhendo quanto com uma barra de chocolate do Free Shop, que você comprou logo dezenas para distribuir entre todos. Ou talvez até gostem mais da barra. E sai mais barato.

Durma tarde, acorde cedo. Pule refeições. Corra de um canto a outro. Segure o xixi até não poder mais. Desobedeça as pernas. Mande-as continuarem andando, não importa o quão cansadas estejam.

Não se entristeça com ruins acasos. Não desanime frente a um museu fechado, uns óculos perdidos. É tudo bobagem. Tudo se recupera depois. Não vale a pena.

Não pense em antes e depois. Pense em já, e já estará de volta. Em meus braços. Cheio de queijos e chocolates deliciosos. Cheio de beijos. E abraços. Igualzinho. Totalmente diferente. Lindo e feliz.