terça-feira, 22 de julho de 2008

Contanto que me seja conveniente

A jovem menina não se sente bem na escola de crianças ricas e mimadas que seus pais a matricularam.

Após dez anos estudando lá, ela percebe que talvez o problema não seja ela, e sim os outros. Ela se vê como o Patinho Feio. É sempre mais legal se ver como protagonista de uma história. Ela acha que é sim normal, mas não para aquele ambiente. Ela muda de escola, mas apenas porque os pais percebem que a outra não é boa para se entrar em uma boa faculdade.

Aí, na nova escola, mais da metade dos alunos se dizem comunistas e há boatos de que alguns professores são anarquistas. A menina se encontra – e só então, na realidade, ela percebe mesmo que era normal mas que estava no lugar errado. Aí ela percebe que tem outras pessoas que preferem Toquinho a Back Street Boys e que preferem ir para escola com calça de pijama do que com calça jeans. Ela fica mó feliz. E resolve que quer mudar o mundo.

Aí ela continua querendo mudar o mundo de alguma maneira. Aí ela participa de vários trabalhos voluntários. E gosta. Muito. Aí ela percebe que querer mudar o mundo é ambicioso demais, e passa apenas a querer fazer algo pelo mundo. Pequenas ajudas bastam.

Então ela termina o colégio. Começa cursinho. Não há mais trabalho voluntário para ela participar. Não há tempo. Então ela entra na faculdade. Há tempo, mas parece não haver trabalho. Ela vai deixando a ideologia para depois. Fica triste. Mas não faz nada. Mas não há o que fazer. Mas ela devia fazer algo. Mas o quê? Ir atrás, procurar. Sempre há o que fazer. Mas onde? Como? Deixa pra depois.

Aí um dia uma juíza acha que há sim uma forma simples de ela ajudar o país. É uma pequena ajuda, mas necessária. Trata-se de uma juíza eleitoral. E então a moça recebe a seguinte carta:

“Comunico que V.Sa. foi escolhido(a) para compor Mesa Receptora de Votos nas eleições de 05/10/2008 (...) Sua participação, juntamente com milhares de eleitores que foram convocados para esse fim, será de extrema importância para a lisura e transparência do processo eleitoral (...) Esclareço que o serviço eleitoral (...) é obrigatório (...) sujeitando-se a processo por crime eleitoral aquele que não se apresentar”.

A menina deveria dar pulos de alegria, certo? Ela sempre quis ajudar o país, não é? Então por que ficar desesperada? Por que a raiva?

Porque, no fundo, ninguém quer ajudar país nenhum, a não ser que lhe seja conveniente.

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