segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele

Quando conheci Gisele, ela tinha os olhos borrados de olheira. Falava pouco, pausadamente, e com calma. Não com mais de duas pessoas ao mesmo tempo. Lembro-me de uma ocasião em especial, no aniversário de uma prima em comum. Discutíamos, ela e eu, sobre o clima estranho da cidade. Nada profundo. Creio inclusive que não fosse possível haver nada mais superficial. Lá pelas tantas, aproximaram-se de nós duas amigas de minha tia. Ela calou-se num instante. Se dirigiam a palavra a Gisele, ela respondia apenas “Não sei”. Pouco lhe importava se o “não sei” fazia ou não sentido como resposta. “Soube que você é que fez o bolo, Gisele, parabéns, está muito bom!” “Não sei.” “Como não sabe? Não provou?” “Não sei.” “Mas então prove!” “Não sei.” Nem mesmo a entonação da resposta variava.

A seus conhecidos, era menos estranho o fato de ela não falar com mais de duas pessoas ao mesmo tempo, ao fato de ela não procurar saída em ocasiões como essa. Gisele era capaz de ficar horas e mais horas respondendo “Não sei” a quem quer que fosse. E, a menos que a pessoa parasse de perguntar, ela não parava de responder. Certa vez, quando já éramos mais íntimos, tive a ousadia de indagar se ela não ficava incomodada de ficar tanto tempo falando sobre nada com pessoas que muita vezes ela nem conhece. A que ela me respondeu: “Ficar, eu fico. Mas convém não me arriscar”. Confessou-me também que havia adquirido o hábito de não ingerir líquidos antes de grandes festas, porque certa vez ficou tanto tempo com a bexiga cheia que acabou com uma infecção urinária.

Esse era apenas um dos muitos hábitos incomuns que havia adquirido nos últimos anos. (e continua...)

Nenhum comentário: