terça-feira, 16 de setembro de 2008

Um amigo de Gisele VII

Admito ter sido difícil, principalmente no início da vida conjugal, manter a postura romântica dos tempos do cortejo. Se Gisele não era repulsiva, também não me atraía em absoluto. Dia após dia, porém, eu vestia a máscara e olhava para ela como se fosse o meu maior tesouro. Ao mesmo tempo, tramava comigo mesmo qual seria a melhor maneira de chegar ao assunto crime. A ocasião perfeita não tardou a chegar.

Após um dia frio e chuvoso de muito trânsito, Gisele esqueceu a lasanha no forno, que queimou. Pôs-se a chorar compulsivamente, e lá fui eu consolá-la:

- Gigi, você não está chorando só por causa da lasanha. Sei que tem algo mais te deixando chateada, e já não é de hoje. Pode contar comigo. Se abre. O que te deixa sempre tão abatida?

- Não... é isso mesmo... Era o seu jantar. E eu arruinei tudo. Não quero te perder. Não posso te perder.

- Me perder? Mas e só uma lasanha, por que você me perderia?

- Você não entende...

- Não, não entendo. Então me explique, por favor.

- Além de você, só amei uma pessoa em toda a minha vida. E ela se foi...

- Te abandonou?

Ela baixou os olhos. Fez que não. Disse pra deixar para lá.

- Gi, fala pra mim, acho que vai te fazer bem desabafar. O que houve com ele?

- Foi assassinado. Uns bandidos. Bateram nele. E fugiram. Fiquei sozinha, e então a polícia chegou, e acharam que fui eu. E todo o mundo achou que fui eu. Não entendiam. Eu o amava. Não fui eu, não fui. É verdade. Mas não acreditavam, ninguém acreditava. A gente ia ter um filho, sabia? Estávamos com os papeis da adoção. Ia se chamar João, como o pai. João...

Ah, então estava tudo explicado. Acusada de um crime que não havia cometido. Pobre Gisele. Por isso tanto cuidado, tanto tormento... Na hora errada, no lugar errado.

Já era hora de pedir o divórcio.

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