- Esquentou, né?
- E como!
- Metade da minha família já morreu nessa brincadeira.
- Até que eles resistiram bem. Quanto? 50?
- 65.
- Pô, mas 65 graus é pra caramba! E só metade! Da minha, só restou eu.
- Só você?
- É, mas eles não resistiram nem os 45. Já me consolei.
- Eu ainda to meio abatido... Faz pouco tempo... Quero saber até quando eu vou resistir.
- Olha, tenho pra mim que quem chegou aos 70 graus fica vivo. Assim espero.
- Eu não espero não. No fim das contas acho que ta na hora da gente ir embora mesmo. O homem.
- Acho que o homem não vai embora, não. Tem criança nascendo até.
- Nascendo e morrendo.
- Não, tem criança viva e sem aparelho. Saiu hoje no jornal, você não leu? É a evolução, meu amigo. O homem agora resiste bem ao calor. E dizem por aí que daqui uns anos nem de água precisaremos.
- Acho que prefiro morrer.
- Eu não! Com esse tanto de gente que morreu, da até pra tentar começar de novo. Eu penso como se isso fosse um dilúvio, sabe?
- Sei. E nós somos exemplos de boas pessoas? Por que resistimos ao calor? Ah, sim, claro...
- Pelo menos tem emprego pra todo o mundo.
- Preferia estar desempregado e ter minha família comigo.
- Acho que você ainda está muito abalado.
- Sim, estou. E com cada vez mais calor.
- Calor? Sabe que até já sinto um pouco de frio?
- Faz sentido.
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