terça-feira, 14 de outubro de 2008

O grito

Foi em Viena, numa manhã de verão, onde ouvi um grito desesperador. Certamente, foi o mais agudo, o mais apavorante, o mais estridente que já havia escutado na vida real e ao vivo.

Eu tomava o meu café-da-manhã sozinha. Eram já oito horas da manhã, e todos deveriam estar no refeitório do hotel de piso forrado com carpete avermelhado com estampas. Mas estavam atrasados.

Em todo o caso, me servi de café, iogurte de morango, pão, cream chease, um pedaço de bolo e alguma fruta. Estava meio infeliz com a comida. O legal de café-da-manhã em hotel grande é a variedade de frutas maduras, as porções de pão de queijo e os croissants de chocolate. Mas eu não estava no Brasil, e sim em Viena. As frutas eram sem-graça, ninguém sequer conhecia um pão de queijo e... não sei exatamente porquê, mas também não havia nenhum croissant de chocolate.

Fui para uma mesa vazia. Antes de me sentar, dei uma boa olhada ao redor para ter certeza de que ninguém havia chegado e, sem ter me visto, ido se instalar em outro lugar. Não vi ninguém, tive raiva, fiquei com vontade de dormir mais, fiquei com vontade de sair logo e ir explorar a cidade sozinha, sentei, comecei a cortar um melão branco e duro.

E então o escutei. O barulho. Era muito alto, não vinha do refeitório. Deveria vir do hall. Logo em seguida, alguém gritou “Help!!!”. Como todos os outros hóspedes, fiquei com medo e curiosa. Mais curiosa do que com medo. Mas ao contrário da maioria, não tive coragem de ir ver o que acontecera.

É impossível descrever o grito. Era certamente de uma mulher. E de dor. Certamente era de dor. Como se alguém tivesse sido esfaqueado, ou tivesse um membro do corpo amputado. Imaginei que um desses lustres enormes, estilo O Fantasma da Ópera, tivesse caído sobre alguém, que gritou e morreu. O carpete, agora, estaria banhado em sangue. Vai saber se a cabeça não estaria separada do corpo! Não, isso era demais. Mas uma perna era bem capaz... Não pude ver. E as pessoas do refeitório que iam olhar não voltavam! Deviam ter desmaiado com o que viram.

Ninguém dizia nada, minha família não chegava, a comida era ruim, eu queria ir embora, alguém tinha morrido, havia sangue no carpete do hotel... E minha irmã chegou.

- Oi, a mamãe não chegou ainda?

- Não, só estou eu.

- Eles devem ter se atrasado.

- É.

- Que que tem de bom pra comer?

- Nada. O iogurte ta razoável.

- Vou me servir.

- O que aconteceu lá?

- Onde?

- Lá fora.

- Como assim?

- Lá fora, no hall. Ouvi um grito. O que aconteceu?

- Ah, nada. Uma mulher escorregou e caiu. Machucou o braço. Deve ter torcido...

- Nossa, mas precisava gritar daquele jeito?

- Não sei, ela já tava caída quando eu cheguei.

- Que horror!

- Horror? Mas foi só um braço torcido.

- To falando do grito.

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