terça-feira, 18 de novembro de 2008

Uniforme

Era verão, mas a temperatura obrigava os estudantes a vestirem seus casacos. Recém saída do carro, ela ainda estava em dúvida se precisaria ou não colocar a malha azul que sua mãe trouxera de Buenos Aires, e que pegara às pressas antes de sair de casa.

Enquanto se dirigia à biblioteca, indecisa ainda, ouviu de um rapaz que nunca antes havia visto:

- Está esfriando...

Mas que insulto! Quem ele achava que era? Sua mãe? E, além disso, ela tinha uma malha! Como ele não reparara que no meio daqueles três livros havia uma malha? Ela devia tê-lo mostrado. E o que raios ele tema ver com ela passar frio? E se ela não tivesse uma malha, no que esse comentário iria ajudar? Esse era o problema dessas faculdades de humanas... Fica todo o mundo querendo fazer contato, palpitando...

Entrou e saiu da biblioteca com a malha nos braços. Foi só ao entrar na sala de aula e sentar em uma cadeira bem no centro da segunda fileira que, enfim, agasalhou-se.

A sala ainda não estava cheia, e por isso deixou de reparar nos dois fios que pendiam das laterais da malha. Eles deviam ser amarados para trás, formando um laço nas costas. Mas, sem haver quem pudesse reparar na distração da moça, e com tantas preocupações pendentes em sua mente, deixou-se ficar por cerca de vinte minutos assim, mal vestida.

Enquanto esperava a chagada da professora, lia e relia nervosamente o trabalho para ser entregue na semana seguinte. Tão concentrada, que demorou em reparar na figura que se sentou à sua frente.

Era um menino, um rapaz, com um corte de cabelo definitivamente ruim. Talvez cortado por ele mesmo, ou por sua mãe. Devia ter 19 anos. Mas o cabelo era o de menos em seu visual. Ela demorou a acreditar no que os seus olhos viam. Uniforme. Sim, ele usava uniforme. Não de policial, não de oficial, tampouco de funcionário de alguma grande empresa. Ele usava o uniforme do colégio. Uniforme completo: calça de moletom azul marinho desbotada, malha de moletom azul marinho desbotada e, por baixo desta, podia se ver a gola da camiseta, listrada e com uma sigla de quatro letras, provavelmente a do colégio, certamente público.

Que gente esquisita para haver em uma faculdade da universidade mais bem reconhecida da cidade! Coitado do menino! Então não possuía dinheiro para comprar roupas novas. Talvez mesmo o uniforme fosse de segunda mão. Ou eram presentes, brindes!, dos colégios públicos?

Devia ser inteligente, o menino. Esforçado, no mínimo. Entrar nessa faculdade não era tão difícil assim, mas também de fácil não havia nada. E sentava-se na primeira fileira. Como ela, estava só. Lia alguma coisa, mas não conversava com ninguém. Por que? Ela ainda tinha um motivo. Era nova na turma. Mas isso era raro. Seria ele novo na turma? Não... Não parecia... Subjetivamente, digo, simplesmente não parecia.

Mas que roupinha, não? Será que havia mais exemplares do conjunto? Será que ele usava uniforme também para ir ao bar da esquina? Com certeza não voltaria para casa para se trocar... E, falando em casa, onde seria a sua? Teria uma?

A professora chegou. Ela levantou-se de um pulo. Queria tirar uma dúvida antes de a aula começar. Chegou tarde, duas meninas já haviam tomado para si a atenção da professora. Foi só enquanto aguardava, de pé, na frente de todos, que reparou nos fios ainda soltos da malha. Vexou-se. Corou. Olhou para um lado, olhou para o outro. Discretamente, fez o laço por trás, com uma expressão que dizia algo como nada. Algo como “esses meus gestos de me preocuparem com os fios são involuntários”.

Falou com a professora, sentou-se, olhou para o menino de uniforme, e pensou: “Talvez seja algum aluno de colégio público mesmo. Deve ser um programa. Para conhecer a universidade”. Conformou-se. Abriu o caderno, tateou as costas, suspirou aliviada.

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