segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Colorindo (final)

- Já vi que vamos desenhar florzinha...

- Não é bem isso.

Trafegaram por mais 15 minutos. A moça estacionou. Desceram com as latas de tinta. Houve a explicação:

- Vai ser assim. Vamos pintar a rua mesmo, onde os carros passam, com a tinta rosa. A calçada, de roxo. E depois podemos usar o verde e o azul pra fazer os desenhos. Nem florzinhas, nem super-herói, nem protestos... Não quero passar mensagem nenhuma, entendem? Quero apenas mudar a cara de uma rua. Torná-la mais... interessante.

- Por que isso?

- Por que você fez esse buraco aí na orelha?

- Porque é da hora, sei lá, pra ficar diferente.

- A tinta é o buraco na orelha da rua.

- Que que ela ta falando?

- Sei lá, ficou doida.

- De qualquer forma, vamos pintar a rua. E com formas. Desenhos abstratos. Sabem? Traços, figuras geométricas...

- Não peguei não.

- Eu vou fazer um exemplo antes aí você vão se inspirando. Melhor vocês colocarem as camisetas velhas se quiserem que as novas continuem limpas.

A rua possuía uma leve inclinação. Ela subiu na parte mais alta. Abriu a lata. Deixou que toda a tinta rosa escorresse, como um rio. Ia da direita para a esquerda, para que cada canto da rua recebesse sua parte. Os meninos, imitando-a, deixaram as calçadas roxas. Então depararam-se com outro erro de planejamento da mulher:

- Vamos ter que esperar essa tinta toda secar.

Resolveram ficar dentro do carro ouvindo música. Chegou um policial.

- O que ta acontecendo aqui?

- Estamos pintando a rua.

- Isso é proibido.

- Gostaria de ver minha identidade, policial?

- Por favor.

Ele examinou, enquanto ela dizia:

- Imagino que esteja interessado em uma posição mais privilegiada dentro da polícia. Pois bem. Por que não me deixa seu nome e sobrenome, e eu dou um jeito nisso?

- Seria muita gentileza sua.

- É um agradecimento pela sua gentileza em nos deixar pintar a rua.

- Pinte a rua.

Escreveu em um pedaço de papel seu nome e sobrenome. Ela colocou o papel dentro da carteira. Ele saiu. Os meninos se entreolharam, mas, lembrando do combinado, não fizeram perguntas.

Depois de um tempo, voltaram à pintura.

Desenharam curvas, traços, círculos, espirais, triângulos. Verdes, azuis, rosas – somente nas calçadas – e roxos – somente na área de tráfego. A rua ficou especial, não se pode dizer o contrário. Ela não errou quando definiu o projeto como o buraco na orelha. Pois, como esperado em um mundo real, o resultado não foi bonito. Nenhum dos três tinha muitos dons para as artes. O rosa, fraco, mal conseguiu esconder o forte cinza do cimento. Mas a rua ficou diferente. Interessantemente diferente. Virou atração do bairro. Um mês depois da obra, quando o prefeito decretou, por insistência de sua irmã, um Dia Nacional das Cores, centenas de pessoas, inclusive a imprensa, foram comemorar no minúsculo local.

Ninguém se perguntou quem havia feito o trabalho. Acharam que era coisa da Prefeitura mesmo. Os meninos contaram a todos do bairro que haviam sido eles, mas ninguém acreditou. Ficaram apenas com o gosto bom daquele dia. E com a terrível sensação de que, sim, para que a vida fosse boa, era necessário ter dinheiro e poder.

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