Então não podia ir da aula de ginástica até sua casa, a pé, sem que nenhum homem, carro ou moto se opinasse sobre sua beleza, as curvas de seu corpo, seu cabelo, seu cheiro? Assim já era demais. Até a calça legging substituíra pela jeans. Andava com passos firmes, pesados, e, propositalmente, de vez em quando coçava as axilas ou cutucava o nariz para afastar as babas dos cães famintos. Mas a possível solução mostrara-se inútil. Tinha que fechar os ouvidos e manter o olhar sempre no horizonte se quisesse se sentir o menos “comida com o olhar” que fosse possível.
Estava chegando, faltava pouco. O ouvido esquerdo então detectou um som. Algo como:
- Caprichou hoje, coração!
Coração? Que coração? Que capricho? Estava suada. Sem maquiagem. Cabelo preso. Tênis!
- Quer carona, linda?
Acelerou o passo. Estava trânsito. Se andasse bem rápido, fugia do carro. O sinal abriu, os carros andaram, e lá vem o mesmo carro... Diminuiu o passo, pensando que, assim, da próxima vez que o sinal abrisse, o carro certamente a ultrapassaria. Ledo engano.
- Não adianta fugir, gostosa.
Parou. Suspirou. Virou. Disse:
- É, tem razão.
Foi até o carro. Entrou.
- Puxa, se eu sou gostosa, você é um tesão. Faz assim, eu vou descer não no próximo quarteirão, no próximo. Aí você pára o carro, a gente dá umazinha, e todo o mundo sai feliz.
- Ô, moça, desculpa, sabe como é, não vai dar não... Sou casado, tenho filhos...
- Ah, deixa de papo, eu sei que você quer. Você deixou bem claro.
- Era só brincadeirinha, moça. Você é bonita mesmo, mas assim, é melhor você sair do carro.
- É, foi o que eu pensei. Fala mas não faz. Mas não se preocupa não, porque todo cara que tem problema pra subir o... é assim.
Saiu do carro. Pegou um caderno na mochila, abriu a última página, e riscou o item
“Corresponder a um xaveco na rua só para ver no que dá”. Sorriu, satisfeita. “Sabia”, disse.
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