quinta-feira, 29 de maio de 2008

O Falar

Muito se diz sobre aqueles que não sabem ouvir. Que só escutam o que querem. Acho que não saber ouvir é um problema imenso, sim. Mas existe outro problema, tão importante quanto, que jamais é levado em consideração. É o não saber falar. Não no sentido de usar as palavras erradas, de gritar... No sentido do não-dizer. Da omissão. Isso me incomoda muito. Nos últimos tempos, muito mais do que me incomoda o não-ouvir. Por que?

Pense na cabeça como uma esfera oca. Esse é o seu melhor estado. O oco, aqui, não significa ignorância. Significa paz, calma, despreocupação.

Há duas maneiras de rechear o oco: Aborrecimentos diretos e aborrecimentos indiretos.

Os indiretos não possuem muita densidade. Às vezes a cabeça se livra deles um instante depois de tê-los recebido. Mas às vezes ficam. E, se ficam, temos um problema, porque ele vai recheando a cabeça de mais e mais pessoas ou, se não, vai crescendo e tomando espaço na primeira. Pode ficar ali preso, para sempre.

Os diretos são os mais angustiantes, e sua solução é relativamente simples, mas pouco utilizada, por ignorância de quem os possui. Penso que uma boa parte dos males do mundo, vamos dizer, 75%, poderia ser sanada se as pessoas deixassem de ser tão ignorantes neste aspecto. Sem lançar mão da cura simples, são esses ignorantes os responsáveis pela propagação dos aborrecimentos indiretos.

Vou simplificar:

Ana não suporta mais Maria. Ana gosta de Maria, de verdade. Mas nesses últimos tempos Maria tem estado excepcionalmente irritante. Ela só sabe falar sobre o gato que ganhou do pai. O gato isso, o gato aquilo. Ana está farta.

Aqui, Maria está causando em Ana o aborrecimento direto. O problema é, portanto, fácil de ser resolvido.

As duas são amigas há bastante tempo. Já trocaram confidências, já choraram juntas, já desabafaram. Basta, para acabar com a angústia, que Ana diga, gentilmente:

- Maria, não aguento mais você falar do gato. Às vezes quero falar com você sobre algo importante para mim e não consigo, porque você só fala no gato. Pára, por favor...

Partindo do princípio que Maria sabe ouvir, ela compreenderia e tudo ficaria bem.

Ana, porém, é como 99% das pessoas: ignorante. Ela não vai falar com Maria. Ela vai falar sobre seu aborrecimento - vai desabafar - com Joana. Ela vai aborrecer a Joana sobre a Maria. Joana será, portanto, indiretamente aborrecida. E o que pode fazer Joana? Nada. Ela não tem como falar com Maria, simplesmente porque poderia ter como resposta: "Por que, se eu nunca falei com você sobre o meu gato, você está aborrecida?"

Então qual fica sendo a solução? O afastamento das amigas. O gelo. O evitar a presença uma da outra. E é assim que as relações humanas vão se degenerando. É assim que o homem, único ser capaz de se comunicar verbalmente, despreza sua dádiva.

É engraçado, e tenebroso, pensar que inúmeros problemas e desgostos poderiam ser resolvido com cinco palavras. E, apesar disso, ficam sem solução.

3 comentários:

Juliana Dayan disse...

adoro o jeito como vc escreve!

é exatamente isso, e muitas pessoas mais deviam ler este seu texto...com certeza teríamos muito menos pessoas aborrecidas por aí!

beijo di!

Anônimo disse...

Não creio que nós sejamos somente ignorantes, mas creio também que o orgulho do ser humano se extende a tal ponto que se mostrar fraco diante de alguém que tenha amizade forte (esse efeito que se manifesta ainda mais entre nós homens) possa parecer uma mostra de fraqueza. Será esse outro aditivo à ignorancia que paira sobre nós, seres falantes?

Jo disse...

(posso estar enganada... mas ao ler este post, algo me fez lembrar daquele seu post dos Pássaros, lembra, no outro blog? ...faz sentido?)

Ai, homem é um ser complicado né? É tão difícil - e desafiador na maior parte das vezes - ser sincero sem ferir os sentimentos dos outros...