Ana Beatriz havia já cansado de ir com as roupas da prima mais velha para o colégio. Não eram más as roupas. Nem totalmente fora de moda. Calça jeans e blusa lisa não saem de moda. Também aparentemente as roupas não eram velhas. Tinham boa qualidade.
Ninguém nunca havia criticado suas roupas. Nem amigos nem inimigos. Nem à sua frente nem às suas costas. Sou narradora onisciente: eu sei.
Mas ainda assim... Ela sempre via as meninas tão arrumadas, tão confiantes com suas roupas diferentes, com cortes inovadores, frente única, estampas, uma manga mais comprida do que a outra. Todo dia uma elogiava a roupa da outra. Só Ana Beatriz nunca era elogiada.
Um dia resolveu fazer o que nunca antes fizera, e pediu à mãe roupas novas:
- Mãe, eu gostaria, se possível, de comprar uma roupa nova. Não precisa ser nada muito caro. Uma blusinha, assim, e uma calça. Se não der, também, não tem problema, sabe, não estou reclamando que não tenho roupa, é só que, se fosse possível, alguma coisa diferente do que eu tenho...
A mãe achou justo e foram ao shopping.
Ana Beatriz provou mais de 50 modelos de blusas. Sua mãe deixou ela levar três: uma frente única, uma com uma manga mais comprida do que a outra, e uma com um decote realmente bonito.
Passou duas horas decidindo qual usaria no dia seguinte. Escolheu o sapato perfeito, a bolsa perfeita, o brinco perfeito. Tudo para combinar. Acordou mais cedo para lavar o cabelo e fazer escova. Treinou em seu quarto com entraria na sala de aula com a roupa nova. Será que iam reparar? Talvez até comentassem como ela estava bonita.
Entrou na sala com a cabeça erguida. Era verdade o que diziam, que se arrumar deixa as mulheres mais felizes. Ana Beatriz se sentia até mais saudável. Foi até uma cadeira lá no fundo, para poder desfilar por toda a sala. Depois, fingiu mudar de idéia e foi sentar na frente. Desfilou, desse modo, de frente e de costas. Conversou com as amigas, antes de a aula começar, em pé, para ser mais notada.
Então a aula começou, ela se sentou, mexeu nos longos cabelos, trouxe-os para a frente do ombro – estava com calor na nuca – e, cinco minutos passados, o menino de trás a cutucou.
Virou-se. Será que ele ia elogiá-la? Não era um rapaz muito bonito, e era meio bagunceiro. Mas seria tão bom ouvir um elogio de um menino...
- Olha, o pessoal atrás ta dizendo que não ta interessado em comprar a sua blusa não. Até que ta um bom preço, mas eles preferem ir direto até a loja.
- Quê???
O menino começou a rir, assim como todos os seus amigos. Só então uma amiga de Ana Beatriz, sentada à sua diagonal, reparou o motivo da graça:
- A etiqueta, Ana. Você esqueceu de tirar.
A amiga se aproximou, arrancou a etiqueta, jogou no lixo, e, vendo a cara triste de Ana Beatriz, disse:
- Relaxa, eu também sempre esqueço de tirar a etiqueta.
Mentira, Ana Beatriz sabia que era mentira. Isso só acontecia com ela. Pensou como também suas amigas nunca deixavam o estojo cair no chão e espelhar todas as canetas pela sala, como elas nunca tropeçavam, como os cabelos delas nunca ficavam despenteados durante o dia, como nunca havia um pingo de café em suas roupas.
Mudou o humor repentinamente. Fechou a cara. Desiluminou-se. Demorou um ano para usar a blusa novamente.
Um comentário:
ai, que triste.
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